Intelectualidade periférica: Produzimos conhecimento, inovação e tecnologia



Por Alexandre Lucas*

A atuação política do Coletivo Camaradas, na comunidade do Gesso, na cidade do Crato, no Ceará, é um exemplo do que acontece em outras experiências políticas de base comunitária, que reverberam em ações que comungam a luta política aliada a produção do conhecimento, inovação e tecnologia.

Reconhecer a atuação para além da luta política e conjugado com a produção de instrumentos de reflexão e transformação da realidade é um passo importante para particularizar e contextualizar historicamente e socialmente a dimensão do local e do global.   

Se podemos falar de uma intelectualidade periférica, ou melhor, de uma intelectualidade produzida nas margens do modo de produção capitalista, numa perspectiva de afirmar que existe uma produção contínua de conhecimento, inovação e tecnologia, podemos também constatar que o academicismo desvinculado da prática social é uma teoria que não serve ao processo de transformação social.  

Ciência, política, temporalidade e espacialidade são questões que se entrelaçam para tecer formas de resistência e construção de novos olhares e espaços.

A produção de conhecimento, inovação e tecnologia gerada a partir da experiência de base comunitária do Coletivo Camaradas, reconhece e reivindica a popularização e a socialização da ciência como processo de democratização da sociedade.     

Portanto, é essencial que nos distanciemos do empirismo e do achismo, enquanto, perspectiva de conhecimento e de compreensão da realidade. Distanciar, mas ter como ponto de partida o senso comum, para ter como ponto de chagada um conhecimento reelaborado dialeticamente, com base numa compreensão que conjugue a prática social com a ciência.

Geramos conhecimento, inovação e tecnologia? Afirmamos que sim, como forma também de se contrapor a cultura do lattes, da ciência de mercado e do distanciamento da produção de inovação e tecnologia para a qualidade de vida das populações marginalizadas, do antagonismo entre ciências humanas e exatas.

Quando produzimos conhecimento, inovação e tecnologia? No caso específico da comunidade do Gesso, a partir do momento que tentamos compreender o processo de produção, ocupação e estratificação do seu espaço urbano. Quando discutimos lugar e construção de paisagem cultural e social. Quando nos dedicamos para entender a relação do lugar e sua integração no território, bem como, esse território se integra aos lugares.

Isso tem possibilitado trabalhar como conceitos como desinvibilização territorial a partir de potência criativa, construção de narrativa de lugar, diálogos intercomunitários, espaço de trânsito humano, ocupação criativa do espaço urbano, urbanização social, cultura de base comunitária, cultura leitora, microcoletivos, sítio urbano, articulação em rede, direito à cidade, direito à literatura, dentre tantas outras abordagens.

Essas reflexões têm gerado formas e conteúdos distintos de atuar e de compreender a realidade.

Diferentemente do “projeto social”, que tem sua relevância e se caracteriza na maioria das vezes pela oferta de atividade no campo social e artístico, se alinhando a uma compreensão de “ongnização” da sociedade, ou seja, de substituir a ausência e o papel do estado. Nós optamos por uma outra posição e concepção que se baseia na atuação política de defesa de democratização da sociedade e ocupação dos espaços políticos como forma constituir uma nova intelectualidade, alicerçada numa concepção emancipatória e socialista.

Constituir essa intelectualidade é tecer uma resistência para fortalecer a luta pela transformação social e tomada de poder pelas camadas populares. Conhecimento, inovação e tecnologia estão intimamente ligados ao poder, portanto, são lutas que não se separam.  

O exemplo da comunidade do Gesso, não é único e nem extraordinário, mas serve para exemplificar que existe conhecimento, inovação e tecnologia sendo produzida nas periferias e ao mesmo tempo existem barreiras que separam a teoria da pratica e a universidade do povo pobre, preto e periférico.






*Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e atual presidente do Conselho Municipal de Cultural do Crato/CE.     

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