Cultura de base comunitária entre o lugar e a transformação







Por Alexandre Lucas

A cultura não nasce da espontaneidade, mas de se constrói consciente e inconscientemente no processo de produção e reprodução da vida humana e se estratifica dentro deste mesmo processo, nas sociedades marcadas pela propriedade privada, divisão de classe, acumulação e concentração do capital. O dinheiro separa pessoas e produz culturas distintas. A cultura de base comunitária não foge deste contexto e se coloca como uma contra narrativa diante de uma cultura dominante, alinhada aos interesses das elites econômicas.

A cultura de base comunitária é um conceito bastante difundido na América Latina, por parte dos pensadores e fazedores de cultura conectados ao movimento do “Cultura Viva”, “Pontos de Cultura” e “cultura de base comunitária”, expressões da mesmo campo conceitual.  Tal conceito tomou dimensão alargada   a partir da experiência do Programa de 2004, do extinto Ministério da Cultura,   que depois se tornou política de estado no Brasil, o Cultura Viva. Essa   experiência foi e é replicada em cerca de 17 países da América Latina com formatos diversos. A cultura de base comunitária parte do princípio de reconhecer e potencializar os saberes e fazeres de um lugar e território, bem como o protagonismo dos grupos e sujeitos, criando teias de conexão e articulação política entre sujeitos, organizações, lugares e territórios.

A compreensão de cultura de base comunitária é uma importante bússola política para desenvolver as políticas públicas para a cultura na sua transversalidade e na perspectiva da democracia cultural.  Inverter a lógica, abrindo brecha para participação social, a inventabilidade e a desburocratização, o protagonismo e aparição dos sujeitos e dos seus jeitos, a inscrição das narrativas invisibilizadas, o diálogo permanente com o desenvolvimento social local e os direitos humanos é umas das premissas para apontar a uma visão “de baixo para cima”,  o que contraria a cultura dominante de burocratizar e afunilar a participação dos grupos fora do eixo do circuito oficial.       

A política pública para a cultura de base comunitária gestada no Brasil, com o Cultura Viva e os Pontos de Cultura, veio para subverter a ordem burocrática e elitizada de acesso aos recursos públicos para a cultura, partindo da ideia que a burocracia deve estar a serviço da política e não a política a serviço da burocracia.   

Por outro lado, a cultura de base comunitária existe para além das políticas públicas. Ela existe na contra narrativa das periferias, nos grupos da tradição popular, na tradução da tradição popular, na reinvenção das formas e na redescoberta de novos conteúdos, na criação de narrativas contra a estigmatização, no hibridismo cultural, na junção do lugar como parte compositiva da estética e da cultura, no ajuntamento das tecnologias e da simplicidade, no self em que as personalidades têm identidade e autoridade simbólica para contar suas histórias.

Lugar, sujeitos e transformações, talvez seja a tripartite para compor a cultura de base comunitária. Se é verdadeiro a afirmativa de que “A comunidade muda quando a gente muda” é complementar   afirmar também que “a cultura muda quando a gente muda”. Entretanto, neste debate complexo, não podemos perder de vista, as condições objetivas, e, cair no campo do idealismo. As culturas se hibridam e confrontam, fazem costuras invisíveis e pespontadas.  Se existe uma cultura dominante pressupõe que exista uma cultura dos dominados e uma outra cultura, inventada nos laboratórios do capitalismo para o consumo e alienação em massa.

Se a cultura se constrói, o conceito de cultura de base comunitária é uma porta de possibilidades para redesenhar corredores estéticos e artísticos, cartografar a intersetorialidade da cultura, redistribuir as histórias e as lutas do nosso povo, fortalecer os arranjos de sujeitos e organizações nos territórios, ocupar os espaços políticos e reverberar um novo protagonismo nas políticas públicas e aprofundar a democracia cultural e o direito a cidade.         

Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e atual presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
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1 comentários:

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Mileide Flores
Administrador
1/31/2020 ×

Alexandre, texto excelente. Debate necessario a ser feito em todos os espaços de cultura. Parabens

Mileide Flores
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