A cidade como descoberta do processo criativo



Por Alexandre Lucas* 

Descobrir a cidade, mergulhar na umidade dos espaços desconhecidos e na aridez do concreto e do asfalto, desconstruir os percursos e a cronologia das notícias oficiais, beber do subterrâneo dos anônimos e dos excluídos. Criar novos mapas da cidade a partir do afeto e das paisagens marcada pelas invisibilidades. 

Dialogar com o estranho e as suas estranhezas. Caminhar sem percursos traçados.  Perceber a urbanização e repensar a partir da utopia. Ver a cidade para além do visível, anotar os seus contrastes e desenhar os seus tumores urbanísticos. Descobrir a arquitetura, a urbanização e a arte, sem os arquitetos, urbanistas e artistas, sem as bulas e os relatórios, frios e distantes dos sorrisos e das dores, mas sem também desprezar a sapiência dos arquitetos, urbanistas e artistas e rasgar a pesquisa.

Traçar linhas imaginárias e tecer costuras nas asperezas urbanísticas pode possibilitar repensar caminhos e as caminhadas.    

Imergir na cidade é redescobri-la e ao mesmo tempo se desvendar dos condomínios, das franquias, dos shoppings center, da padronização, dos veículos de comunicação de massa, da natureza industrializada, da descaracterização das identidades culturais.

É perceber o fluxo do capital, onde ele inunda e desaparece. 

À deriva na cidade, é ativamento de percepções, é entrar num labirinto para decifrá-lo e ressignificar a partir da relação psíquica e espacial. O contexto e o contato têm temperatura, textura, sonoridade, movimento, velocidade, particularidade. Esses elementos servem para ampliar o imaginário e o repertório simbólico essencial para a produção estética e artística. 

A cidade é dispositivo para instigar o processo criativo. No seu tecido social expõe e guarda diversos textos com profundidade poética e social, recheados de memórias, paisagens culturais, conflitos, territórios, lugares e múltiplas narrativas. 

É o corpo político que atravessa a cidade e que ao mesmo tempo é atravessado pela mesma cidade, num processo permanente e dialético de construção e reconstrução do olhar.   

À deriva é uma possibilidade de construir mosaicos para pensar simbolicamente a vida e a cidade. Entretanto, ela é incapaz ir às raízes para entender a complexidade e a profundidade da cidade na contemporaneidade, dentro da sua dinâmica e produção do espaço urbano indissociável da relação com modo de produção e da luta de classes.   

*Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e atual presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE.
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