Diário covid19- A saudade estava tão grande que beijei a tela do celular


                                      Imagem de Jamal. 29 de Março de 2020.




Por Barbara Leite Matias*


Mãe.
Quando isso tudo passar, quero  abraçar minha mãe a ponto de sentir a dor da mãe dela.
A muito tempo não abraço minha mãe.  Eu sei que ela carrega uma dor nos braços. Eu também mãe.
Não vamos mais não.
Ontem liguei pra ela, beijei a tela do celular e disse baixinho, te amo.
Tirei uns quilos de dor dos dedos.
A gente não foi ensinado a dizer esse “eu te amo”. Só agir sobre ela. E isso já basta.
Mas, no fundo bem no fundo a gente quer ser como na novela, lá os personagens falam.
Quando esse período de ficção/terror passar vou ser personagem de novela.
Te amo mãe.
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Desaceleração de dentro pra FoRa
Teve o dia do teatro não escrevi nada pra ele
Não gosto. Eu faço é teatra.
É por ela que passo fome, passo texto, passo o ferro no figurino.
Faço de tudo um pouco.
Essa mãe dramática. Fictícia. Teatra da Silva. Tem rg e tudo!
O corona deu outros ritmos a dela
Mãe descanse.
Nada de ensaio por hoje
Já estava era ensaiando.
Sozinha.
Cada um em sua casa
Sem aplausos pro presidente não achar que é pra ele!
Dia
Dia inteiro livre
Live e mais live
Conheci várias pessoas que sigo no instagram
O insta é a nova televisão
Deixei de seguir várias novelas, ops, quis dizer perfis.
Foi bom, muita gente eu não conhecia
Abusei da voz, umas live sem graça querendo mandar em mim.
Querendo que eu produza a qualquer custo
E se eu não quiser iniciar um curso de inglês?
E se quiser que a minha quarente seja debaixo dos meus lençóis contando minha respiração?
Essa quarentena é pra gente se conscientizar que estamos vivos.
Escutar a festa que somos
Escutar nosso ouvido.
Eu tou tomando sol toda manhã, isso não se paga no cartão de credito.
Dois minutos.
Dois minutos intermináveis para lavar as mãos.
Dois minutos de silêncio não supera a dor de morar num país que está sendo morto por dois masculinos vírus. Viris. Vulgares. Vermes.
Não me pergunte qual o pior.
Dois minutos de silêncio pros catadores de lixo importa mais.
Se os vermes morrerem não contarei os dois minutos de tamanho contentamento.
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Vou escrever um manifesto á mulher da casa. “Dentro de casa “ – pra frisar sobre, o corpo que tornou-se casa.
E
a mulher dentro dentro de casa ?
Aquela que continua recebendo o peso da mão cheia de vírus. Em silêncio com a cara ardendo feito ferro na brasa, suspira:
- Que o coronavírus te leve junto com o despresidente.
Foi lavar o rosto pra pelo menos o vírus não acertar seus olhos e boca. Já que tem quase matado sua alma.
Quarentena pelos filhos, amém.
- Fique em casa meu filho pra não virar comida de vírus, amém.
- Vou organizar o velório dos homens atletas pra ver de longe vírus virando pó.
Fim,


* Atriz, performer, professora de teatro e gestora no espaço de cultura Casa Ninho, Crato, CE. Mestra em Artes pelo Programa de Pós- Graduação em Artes/Subárea Teatro: Mestrado Acadêmico da Universidade Federal de Uberlândia/UFU, onde desenvolveu a pesquisa; Cotidiano de Teatro de Grupo do Cariri Cearense: Grupo Ninho de Teatro e Coletivo Atuantes em Cena (2015/2017). 
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