Palavra, rua e utopia



Por Alexandre Lucas* 

A palavra no espaço urbano ganha diversas funções e gera processos para além da simples decodificação da junção das letras.  O letreiro, a faixa, a caixa, a placa, a camisa, a sacola, o adesivo, dentre tantas outras coisas, são suportes para a palavra no espaço urbano e tem uma dimensão política e educativa.   

Todo o processo de aprendizagem é educativo e tem que ser compreendido na sua dimensão mais ampla, ou seja, o educativo pode ser algo positivo ou negativo, contribui para o processo de emancipação humana, quanto para o processo de manutenção dos mecanismos de opressão e exploração. A palavra não se separa deste aspecto.        

A palavra em forma e conteúdo é estética, no sentido de provocar sensações de estranhamento, acomodação, desejo, pertencimento e internalização.  

O espaço urbano é marcado por contrastes, aglomeração, encontros, trânsito humano, diversidade econômica. Ele tem as marcas do acúmulo histórico e social, ao mesmo tempo, de uma produção socializada e uma apropriação privada da cidade. Dentro desse contexto, a palavra no espaço urbano não reverbera vazia, nem neutra, ela tem alguma finalidade, intencional ou não. 

O que jogamos na rua, na rua não fica, penetra na memória, na consciência, na autoestima, na posição política e no desejo de consumir. Não é por acaso que uma das maiores empresas de refrigerantes do mundo continua insistentemente investindo em imagem, cor e na palavra para compor a sua forma e conteúdo de mercado.      

Se “a comunicação é a alma do negócio”, podemos dizer também que ela é a alma da cultura. A cultura enquanto processo de produção e reprodução da vida dos seres humanos, onde a palavra é parte integrante e indissociável, seja pela oralidade ou pela escrita.  

Se a palavra não tem neutralidade é preciso pensar sobre ela, antes de jogá-la no espaço urbano. Diferentemente da palavra política que está nos suportes do livro, a palavra no espaço urbano é mais invasiva, como as rádios, televisões e telefones móveis. Basta lembrar que as primeiras leituras e internalizações se dão na fase infantil; as crianças buscam descobrir as palavras nas ruas como parte de apropriação da cidade. Ao passar pelas ruas estamos sempre lendo, sem mesmo fazer essa opção.   
Na disputa de narrativa de sociedade, a palavra no espaço urbano pode ganhar a dimensão da utopia, redesenhar uma escrita que subverta a ordem da manutenção social, do pessimismo, da competição e do individualismo, superar a mesmice e romper com a mentalidade de eterno oprimido, explorado e infeliz é uma premissa para fortalecer uma escrita comprometida como o processo de transformação social. 

Não é a palavra pela palavra, muito menos a palavra como redentora ou revolucionária, mas como parte da luta política pela transformação social. É a palavra dentro do contexto histórico-social para construir uma estética da esperança, da autoestima e da consciência de ser e estar no mundo. 

*Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE.
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