A política de editais tem que encantar a cultura


Por Alexandre Lucas*  

Ainda vivenciamos no Brasil um dissenso em relação a política de editais para a cultura, uma disputa de concepção jurídica e política é constantemente travada no seio de discussão da política de fomento para os segmentos da cultura e das artes.  

Avançamos nas últimas décadas: foi inaugurada do ponto de vista jurídico, uma série de medidas republicanas de acessibilidade, transparência e impessoalidade dos recursos públicos, entretanto, ainda persiste um olhar jurídico burocratizado e incessível às demandas, peculiaridades e a diversidade cultural e de linguagens artísticas do povo brasileiro. 

É no confronto que iremos avançar para construir uma perspectiva de política pública para a cultura que possa consolidar o fomento, mas ao mesmo tempo se faz necessário reafirmar o alinhamento com o principal marco legal da cultura no país que é o Sistema Nacional de Cultura e o seu caráter federativo com os estados e municípios. O Sistema é fruto do acúmulo de lutas e de disputas, do diálogo e da participação social. 

A política de editais deve compor o repertório do planejamento, da participação social e da garantia de recursos que compõe os Sistemas de Cultura. 

O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, Lei 13.019/2014, conhecido como MIROSC, ainda é algo distante da realidade dos segmentos organizados da cultura e desencantador. 

A atual conjuntura jurídica de repasse de recursos da cultura no país precisa ser revista, no sentido de possibilitar a desburocratização para o norteamento da democratização cultural, artística e literária do Brasil.  

É preciso facilitar o acesso aos recursos públicos com caráter republicano, como forma de descentralizar e tratar de forma diferente os desiguais. O princípio da igualdade jurídica pressupõe igualdade social, mas diante do contraste do processo histórico de exclusão e da particularidade e diversidade dos segmentos da cultura, exige-se um tratamento diferenciado. Romper com as amarras da burocracia é sinalizar um caminho para deselitização, ampliação dos recursos para as camadas populares e, consequentemente, a acessibilidade dos pensares e fazeres simbólicos do povo brasileiro.

Não basta ampliar a oferta de recursos e a quantidade de editais se o acesso é restrito e a burocracia se encaixa nos nichos especializados dos escritórios jurídicos e contábeis, isso pode até entrar nos relatórios de fomento, mas não entrará de forma descentralizada e potente nos bolsos dos museólogos populares, dos mestres da tradição popular, dos povos originários e de terreiro, dos artistas não acadêmicos, dos coletivos periféricos e dos analfabetos digitais.

A burocracia favorece os atravessadores e torna os recursos da cultura um funil estreito e pulverizado, em que apenas alguns sorteados conseguem tomar um café por um dia, apenas por um dia. 

Inverter a lógica exige tomar posição na defesa da cultura como vetor de desenvolvimento social, econômico e civilizatório. Descentralizar, ampliar, facilitar e tornar didático o acesso aos recursos da cultura é trocar a minoria pela maioria e impulsionar o protagonismo das camadas populares. 

*Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e atual presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato
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1 comentários:

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Unknown
Administrador
12/27/2019 ×

Muito interessante o texto carissimo Lucas. Gostaria de corroborar e alem, dizer que nao percebo editais como politica cultural, mas tao somente como estrategia de gestao. Pirque excludente a um nicho restrito de pessoas que possuem capacidade tecnica para tal. É portanto excludente, extremamente excludente. Ao ponto de ter os vencedores sempre os mesmos. Penso que carece mudar para uma politica realmente. Se todas as cidades, todos ps bairros, possuissem teatros, centros culturais, bibliotecas, cinemas e demais, funcionando de domingo a domingo, aberto 3 expedientes, com artistas criando, fruindo e mostrando, apreciando cultura e arte, ai sim seria pomitica cultural, gerando emprego e renda para artistas, deselitizando a fruiçao, criando possibilidades e afetos. Fazer politica cultural para o cidadao. Para a cidade. Fora disso vamos apenas alimentar um micro grupo conhecedor de burocracias que sera sempre contemplado sem chance aos demais. A politica cultural mais impirtante e que realmente seguiu essa democracia cultural foi ou é o cultura viva, os pontos de cultura e sua rede. Penso querido camarada. Avante!

Unknown
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