Por Yasmim Rodrigues*
A historiografia brasileira foi responsável por narrar os fatos decorrentes no
Brasil, e essa responsabilidade ficou a cargo dos Institutos Históricos, a
primeira Instituição Histórica fundada no Brasil, foi o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro(IHGB),fundado logo depois da independência política do
Brasil, criado nos moldes europeus,
seguindo a cartilha da Academia Francesa, produzindo portanto uma história
eurocêntrica, vista de cima. Seguindo esse mesmo modelo, posterior ao IHGB,
foram criados os Institutos Históricos dos estados de Pernambuco, Ceará e São
Paulo respectivamente, mas o nosso olhar aqui se volta para a produção
historiográfica cearense, de um período específico, o pós abolição.
Sabe
se que a abolição da escravatura no
Ceará se deu quatro anos antes do restante o Brasil, em 1884, muitas são as
justificativas para o feito, mas o que se frisa mais é o desejo que a então
província do Ceará tinha de progresso, os intelectuais evolucionistas que aqui
habitavam sentiam o desejo de varrer do solo cearense a mancha da escravidão
que os impediam de evoluir. O feito deu ao Ceará o título de “Terra da Luz”,
província que iluminou e abriu caminhos para que o restante do Brasil colocasse
um fim no trabalho cativo.
Isso
é o que nos conta a historiografia tradicional,
aquela moldada no viés europeu, de supremacia branca , que inferioriza e
deslegitima a luta do povo negro e cativo por liberdade. Fato que fica muito
claro nas páginas da Revista do Instituto Histórico do Ceará, fundado em 1887,
três anos depois da abolição no Ceará, trazendo consigo os legados do
IHGB, e da história francesa,
responsável por contar a história cearense, logo enfatizar seus fatos
memoráveis, neste sentido a abolição da escravatura obteve destaque em suas
páginas. Mas, de que maneira essa história é contada, e a quem beneficia?
Falar
de negro no Ceará é acima de tudo quebrar um tabu de anos, posto e reforçado
pela a historiografia partindo da falsa premissa de que não tem negros no
Ceará, justificada pelo fato de que a escravidão foi branda, e que o número de cativos não era tão significativo
se comparado aos demais estados do Brasil, mas o toque na ferida é necessário,
no caso da população negra e cativa cearense é essencial, isto porque o que se
conta é que os escravizados que aqui viviam eram serem inertes, sujeitos sem
histórias, acostumados a sofrer e que em nada contribuíram para a cultura
local, palavras que se repetem nos trabalhos historiográficos do século XIX.
Mas,
não frisam que a abolição se deu pela greve de jangadeiros que se recusaram a
transportar negros cativos para serem vendidos e ainda mais explorados em
outras localidades, inclusive de uma mulher negra, conhecida como Tia Simoa, que
articulou a greve dos jangadeiros, e como de costume o seu nome não é
mencionado na história racista e eurocêntrica. A historiografia deu mérito da
liberdade do povo negro aos intelectuais e evolucionistas brancos cearenses,
que desejavam remar para o progresso local e para que isso acontecesse era
necessário dar fim ao trabalho cativo, a escravidão para os mesmos era um
retrocesso que precisava acabar.
O
Instituto Histórico do Ceará, em suas revistas e festividades, no aniversário
de 50 anos da abolição do Ceará, procura deixar clara a inércia do povo negro,
que dependiam da boa vontade dos brancos para ter uma vida digna e livre, mas
qual era esse conceito de liberdade tão exaltado pelas grandes figuras
cearenses? Até que ponto a população negra, agora livre foi favorecida por essa
abolição precoce que se deu no Ceará?
A
história muito é devedora desses “afro-cearenses” que aqui vivem, primeiro os
coloram na condição de objetos, usando um termo atual “marionetes”,
inferiorizando suas ações, ridicularizando sua cultura, lhe pondo a margem da
sociedade, uma história vista de cima, pelo viés europeu, baseado nas teorias
evolucionistas, com doses cada vez mais pesadas de racismo, que não é velado,
esta posto, e o que se foi produzido e maculado nos séculos XIX e XX, são responsáveis pelo racismo executado
hoje pela elite branca, são baseados não apenas pelo que foi produzido no
Instituto Histórico do Ceará, mas também fora dele, que a história nega a
presença dos negros no Ceará, que a cultura oriunda de povos africanos é
travestida de maneira mais europeia possível, afim de que perca sua
representatividade, pois o negro africano remete a escravidão, fato que precisa
ser apagado da história, logo o povo negro precisa sair de cena para que se
acenda uma clareira nessa confusão racial brasileira.
Isso
significa dizer, que a presença negra no solo cearense, se levarmos em
consideração os textos históricos e o lugar social de quem os produziu, é
resistência, um processo contínuo de enfrentamento social e auto afirmação de
um povo que foi e é vítima de uma chibata
que resignifica constantemente, antes era um chicote, depois a condição
marginalizada imposta pelo estado brasileiro e por fim a caneta da historiografia brasileira que dar
espaço para que o racismo ganhe cada vez mais força na nossa sociedade.
*Acadêmica do Curso de História da Universidade Regional do Cariri - URCA