Movimento "Hip Hop é coisa séria" no Crato |
Alexandre Lucas*
Os bairros populares e as
comunidades rurais se recriam numa relação complexa e dicotômica entre o contraste
do crescimento urbano e as demandas sociais, entre ausência das políticas públicas
ou a insuficiência delas, no duelo entre a sobrevivência e a falta de qualidade
de vida, na improvisação e apropriação dos espaços e na diversidade
organizativa, simbólica, esportiva e de lazer.
Nesta paisagem conflitante de
exclusão e inclusão constantemente recriada, o povo se reinventa e cria formas
criativas de ocupação dos seus lugares e canais de interlocução com outros
espaços e pessoas, criando um circuito marcado pela invisibilidade, resistência
e colaboração comunitária.
Existe um
circuito nas periferias e zonas rurais que merece ser compreendido e “desinvibilizado”
no sentido de ampliar as vozes de oprimidos e explorados, de impulsionar as lutas
pela ampliação, consolidação e conquistas dos direitos negados.
Ao mesmo tempo
é preciso compreender como ocorre o processo de infiltração da indústria
cultural voltado ao processo de alienação e embrutecimento cultural ofertado
pelas elites do mercado para acumulo do capital. Que mecanismos de envolvimento
são utilizados por essa indústria? Quais os elementos de pertencimento e
empoderamento que ela cria?
Por outro lado
não podemos deixar de refletir sobre o percurso do “Circuito Oficial das Artes”,
a quem se destina? Quais os espaços ocupados por esse circuito? E como as
camadas populares se veem dentro deste circuito?
É dentro desse
emaranhado de questionamentos que podemos perceber a relação de antagonismo da
luta de classes, de um lado a elite econômica criando os seus mecanismos
ideológicos de manutenção e do outro lado, uma leva de artistas criando espaços
de circulação artística restritos e afinados com os interesses desta mesma
elite, logicamente isso não ocorre por acaso , mas dentro de compreensão
mercadológica de arte e de seus consumidores
e da legitimação do status quo.
Enquanto isso,
o circuito negado das periferias e zonas rurais assumem características
particulares de organização, produção e circulação, baseado em relações de
identidade, pertencimento e empoderamento comunitário.
O movimento de
quadrilhas juninas, o hip hop, os grupos da tradição, as fanfarras, os jogos de
futebol, a capoeira, a malhação dos Judas, as festas religiosas são exemplos de
experiências organizativas que estão dentro de um circuito, em que a
criatividade, a improvisação, a colaboração, o autofinanciamento e formas
alternativas de sustentabilidade são características deste circuito que consegue
fomentar, circular, registrar a sua memória e se divulgar.
A engenharia
social das periferias e das zonas rurais é gestada nas experiências cotidianas
do povo e legitimadas a partir da pratica social comunitária. A expressão “o
povo entende da sua quebrada” nos levar a apontar outra questão fundamental, o
povo conhece a sua realidade social, as suas dificuldades e os seus sonhos. Entretanto
isso não é suficiente! É necessário democratizar a qualidade de vida da
população.
Entender esse
circuito, é pensar a partir das vozes sufocadas de oprimidos e explorados, é
legitimar (os já legitimados) pensadores, inventores e construtores das
“quebradas” urbanas e rurais e perceber que a construção deste circuito não se
separa da luta pela sobrevivência. Não só de brilhos e elogios vivem os seres
humanos é preciso atender as suas necessidades fundamentais para uma vida
socialmente saudável.
*Pedagogo,
artista/educador e coordenador do Coletivo Camaradas