Prefeito do Crato recebe documento contra "Escola da Mordaça"


Os movimentos sociais e sindicais, a comunidade jurídica e partidos políticos de esquerda, protocolaram no dia 7 de outubro,  reivindicação de VETO pelo prefeito José Aílton Brasil da já conhecida e repudiada "Lei da Mordaça", aprovada pela Câmara Municipal do Crato no último dia 23. 

Outros documentos e notas de repúdio já foram lançadas no Município por segmentos da justiça, pesquisadores de temáticas sobre gênero, pedagogos e militantes dos movimentos sociais  desaprovando a postura dos vereadores, a inconsistência jurídica, desconhecimento de questões relacionadas a gênero  e  a falta fundamentação pedagógica. 
      
Segue o documento na íntegra:
"Crato, 27 de outubro de 2017
Ao 
Exmo. Sr. Prefeito José Ailton de Sousa Brasil
Prefeitura de Crato/CE,
Largo Júlio Saraiva, s/n, Centro,
Crato/CE
63.100-347

Ref.: Manifestação a respeito ao Projeto de Lei nº 1610001/2017.

Exmo. Sr. Prefeito,

Os requerentes, infra-assinados, que acompanharam a tramitação do Projeto de Lei nº 1610001/2017 de autoria do vereador Roberto Pereira Anastácio, o qual dispõe sobre a vedação da ideologia de gênero na rede municipal de ensino, aprovado pela câmara municipal de vereadores do Crato/CE, aos 23 de outubro de 2017 e que, atualmente, encontra-se aguardando sanção ou veto a ser proferido por V. Exa, vêm, respeitosamente, contribuir com o debate a partir dos argumentos a seguir apresentados:

Inicialmente, cumpre esclarecer que o referido Projeto de Lei é absolutamente inconstitucional, uma vez que fere a Constituição Federal tanto na acepção formal quanto na material. No aspecto formal, viola o art. 22, XXIV, da CRFB/88, o qual prevê que é competência legislativa privativa da União legislar sobre diretrizes e bases da educação, o que torna, por si só, o município incompetente para legislar sobre a matéria educacional, de modo que, ignorar este comando legislativo expresso, é ato contrário à Lei Maior e configura usurpação de competência legislativa.

No aspecto material, a lei municipal que impede o tema transversal de gênero afronta, tragicamente, princípios basilares previstos na Constituição Federal, notadamente os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da informação, da vedação ao retrocesso social, bem como os princípios educacionais consagrados no art. 206 da CRFB, quais sejam, o da liberdade de aprender, expressar-se, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, como o respeito ao pluralismo de ideias e de concepções pedagogias, princípios estes aplicáveis ao ensino público e privado.

Além disso, partindo de argumentos falaciosos e distorcendo um debate consolidado há décadas no campo intelectual nacional e internacional, alguns grupos da sociedade, em especial os religiosos, têm sistematicamente ignorado o princípio da laicidade do Estado, censurando qualquer menção às categorias “gênero” ou “orientação sexual”, especialmente nos planos locais de educação. Agindo dessa maneira, o objetivo acaba sendo adiar o reconhecimento da dignidade humana de grupos historicamente excluídos e de seu direito fundamental à educação.

A transsexualidade e a homossexualidade são fatos da vida que não deixarão de existir por sua negação e que independem do querer ou do ensinamento das pessoas, sendo a educação principal instrumento de superação da incompreensão, do preconceito e da intolerância que acompanham esses grupos ao longo de suas vidas. Impedir ou omitir a alusão aos termos gênero e orientação sexual na escola, significa conferir invisibilidade a tais questões, obstando-se que o aparato estatal seja utilizado para superação da exclusão social e o combate à discriminação.

Abordar o assunto não significa influenciar os discentes sobre a sua orientação sexual e/ou identidade de gênero, nem mesmo introduzir no ambiente escolar práticas sexuais, mas possibilitar uma educação ampla que possa preparar o cidadão para a vida em sociedade, uma vez que a educação sexual é parte da formação do indivíduo e o Estado tem o dever de oferecer aos jovens uma educação compatível com a vida contemporânea.

Nesse sentido, o mero silêncio da escola nessa matéria, a não identificação do preconceito, a omissão em combater a ridicularização das identidades de gênero e orientações sexuais, ou em ensinar o respeito à diversidade, é replicadora da discriminação e contribui para a consolidação da violência e da intolerância.

Não tratar sobre a temática no âmbito do ensino é contribuir para a desinformação de crianças e adolescentes sobre o tema, fomentando a perpetuação de estigmas e de toda consternação que deles decorrem.

A educação para a diversidade não é uma doutrinação capaz de converter as pessoas à homossexualidade. O objetivo é criar condições dentro das escolas para que professores e alunos possam aprender e ensinar o convívio com as diferenças que naturalmente existem entre nós.

O Projeto de Lei, se sancionado, condenará os educandos ao desconhecimento e à ignorância sobre uma dimensão da experiência humana, impedindo que a educação desempenhe seu papel fundamental de transformação cultural e de promoção da igualdade sobre o prisma da dignidade humana, princípio este vetor de todo o nosso ordenamento jurídico pátrio.

Não devemos olvidar que este entendimento já passou pelo crivo do Supremo Tribunal Federal – STF, o qual reconheceu a inconstitucionalidade de Lei Municipal com teor semelhante (decisão anexa).

Ademais, instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB subseção Crato/CE; Defensoria Geral Pública do Estado do Ceará; Sindicato dos Servidores Municipais do Crato/CE; Laboratório de Pesquisa em História Cultural – LAPEHC; Partido Comunista do Brasil – PCdoB; Coletivo Enecos Cariri e o Centro Acadêmico Xico Sá, manifestaram, publicamente, seu repúdio e indignação com o citado projeto e se posicionaram pela inconstitucionalidade do mesmo (notas e manifestações acostadas).

Outrossim, a ilustríssima Secretária de Educação do Município de Crato/CE, Sra. Antonia Otonite de Oliveira Cortez, com expertise na área educacional e ocupante do mais alto cargo neste setor do Poder Executivo Municipal, exarou Carta Aberta à Comunidade Municipal de Ensino, à Comunidade da URCA e à Sociedade Cratense em Geral, ressaltando os malefícios decorrentes da proibição arbitrária que repousa no Projeto de Lei, ora debatido (documento anexo).

Por fim, não menos importante, cumpre perfilhar que os subscreventes da presente são especialistas com notório saber jurídico, além de profissionais renomados da área da educação, atuantes tanto no ensino superior como básico, que têm conhecimento e respaldo para opinar sobre a temática.

Posto isto e, diante de toda a ampla fundamentação ora posta, bem como farta documentação anexa, resta-nos, confiantes no espírito de justiça e igualdade social de V. Exa, rogar pelo VETO do Poder Executivo Municipal ao Projeto de Lei nº 1610001/2017, o qual dispõe sobre a vedação da ideologia de gênero na rede municipal de ensino.

Sem mais para o momento.

Crato/CE, 27 de outubro de 2017.
Att,

. Dra. Janaynna Sales Nobre - Defensora Pública do Estado do Ceará 
. Prof. Cacá Araújo - Presidente do PCdoB/Crato
.Ver. Pedro Lobo - Presidente do PT/Crato
. Patrícia Oliveira Gomes - PSOL/Crato
. José Raimundo Cordeiro - Frente Brasil Popular
. Márcio Renato Teixeira Benevides - Frente Povo Sem Medo
. Ivaneide Goiana - Dirigente do MAIS
.Profa. Denise Pinheiro - Presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais do Crato
. Prof. Samuel Duarte Siebra - Dirigente do Sindicato dos Professores do Ceará (APEOC)
. Profa. Verônica Neuma das Naves Carvalho - Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC)
. Prof. Gilney Matos - Presidente da Associação de Defesa, Apoio e Cidadania dos Homossexuais do Crato (ADACHO)
. Diogo Stálin de Alcantara Araújo - Presidente da União da Juventude Socialista (UJS/Crato)
. Kalesca Gomes - Diretora da Associação Cearense dos Estudantes Secundaristas (ACES)
. Maria Edna Marques Ferreira - Centro Acadêmico de História Francisca Fernando Anselmo (URCA)
. Profa. Zuleide Queiroz - Programa de Mestrado Profissional em Educação PMPEDU/URCA)
.Professor Emerson Ribeiro - Presidente do SINDURCA
. Elza Sônia Duarte Alencar - Diretora do SINDSAÚDE/CTB 
. Joseany Ferreira Oliveira - Guerrilha do Ato Dramático Caririense 
. Orleyna Moura / Antonio Wideny Toyota @ - Cia. Brasileira de Teatro Brincante 
. Alexandre Lucas - Coletivo Camaradas
. Maria Simone Silva dos Santos – Associação Comunitária do Sítio Baixa do Maracujá
. Manoel Leandro do Nascimento - Grupo Urucongo de Artes
. Maria Adriana Alves Dantas - Rede de Educação Cidadã (RECID)
. Evandro Nascimento - Presidente do Sindicato dos Comerciários do Crato 
. Felipe Oliveira Diniz - Hostel Cariri
. Prof. Tiago Silva - Movimento de Oposição Sindical Apeoc (MOS)
. Jéssika Bezerra - Associação Libertária de Desenvolvimento e Educação Interativa Ambientalmente Sustentável (ALDEIAS)
. Jordlyane Almeida - Coletivo Marias 
. Profa. Sislândia Brito - Grupo de Estudos e Pesquisas em Ensino de Artes Visuais na Educação Infantil e Ensino Fundamental / Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais 
. Elisabete Pacheco - Coordenadora do Baú de Histórias 
. João Paulo Silva - Coletivo Ensaio Aberto de Breack Dance
. Paulo Henrique Pereira Macêdo - Cia. Teatral Arte e Cultura
. Thiago Chagas Oliveira - Prof. do Departamento de Educação da URCA e Frente Estadual Cearense por uma Escola sem Mordaça 
. Lívia Maria - Programa de Assistência Jurídica Estudantil (PAJE)
. Sara Sina - Aparecidos Políticos 
. João do Crato - Presidente da SCAN 
. Maria Brígida Lima Monteiro - Tenda 7 Luzes
. Dávila Feitosa - Coletivo Pretas Simoa 
. Alice Freitas - Ilê Axé Oxum Tunjí 
. Gecyany Severo - Projeto Griô 
. Nélio Luna - Irmandade Rap
. Luis Clodoaldo Alves Lopes - Diretor do SINASEFE/Seção Crato
. Francisco Nascimento - Mensageiros da Paz 
. José Cleiton Maciel Neto - Levante Popular da Juventude 
. Júnnior Pessoa - Festival Caldeirão das Danças 
. Yarley Tavares de Lima - Cia. Yoko de Teatro 
. Cícera Nunes - NEGRER - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Relações Étnico-Raciais
. Lucas Lopes / Kayran Freire - Dazara Sound 
. Roberto José Siebra Maia - Pró-Reitor de Assuntos Estudantis e Professor do Curso de Ciências Sociais da URCA
. Profa. Francisca Clara de Paula Oliveira - Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Pedagógicas (NEP/URCA)
. Antonia Cileide de Araújo - Coordenadora do NPJ e Profa. do Curso de Direito da URCA
. Francisco Marcos Bezerra Cunha - Prof. da Faculdade de Medicina da UFCA
. Profa. Maria Telvira da Conceição - Grupo de Estudo, Pesquisa e Ensino de História Afrobrasileira, Africana e Americana (GEPAFRO) / Núcleo de História e Cultura Afro-Indígena (NIAFRO)
. Karla Oliveira - Chefe do Departamento de Educação da URCA 
. Maria Socorro da Silva - Coordenadora da Associação Cristã de Base (ACB)
. Ana Verônica Barbosa isidório - Frente de Mulheres de Movimentos do Cariri 
. Viviane Maria Pereira de Carvalho - Assistente Social
. Jahyra Helena Pequeno dos Santos - Profa. Ms. do Curso de Direito da URCA
. Anna Karina Cavalcanti de Oliveira - Luta e União das Mulheres na Educação (LUME)
. Davidson Kennedy Ferrer Campos Sousa - KIZOMBA 
. Profa. Fabiana Maria Gomes Vieira - Diretora do CEJA Crato
. Profa. Adriana Maria Simião da Silva – Coordenadora do Curso de Ciências Sociais da URCA
. Profa. Maria Paula Jacinto Cordeiro – Coordenadora de Área do PIBID de Sociologia da URCA
. Oldack Cézar Rocha Sucupira – Diretor da FETAMCE / CONFETAN
. Profa. Verônica Neuma das Naves Carvalho – Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher Cratense
. Maria do Socorro da Silva de Souza – Escola de Políticas Públicas e Cidadania Ativa (EPUCA)
. Marcus Vinícius Souza Pinho – Mundo Cariri Produções 
. Francisco Diego de Carvalho Moreira – Designer Coletivo Camaradas 
. José Nilton de Figueiredo – Professor da URCA e do CEJA
. Prof. Samuel Morais Silva - SME Crato
. Profa. Vera Lúcia Oliveira
. Profa. Dra. Cláudia Rejane P. Grangeiro – DISCULTI – Grupo de Estudos em Discurso, Cultura e Identidade (URCA)
. Amadeu de Freitas – Vereador PT Crato
. Prof. Antonio Marcos Ramos de Oliveira – EEFM Presidente Vargas
. Maria Eliana de Lima – Movimento de Mulheres
. Prof. Carlos Alberto Tolov – Fundação Arca"
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