O erotismo na poesia de Carlos Drummond de Andrade


Por Luciana Bessa* 


“Ah o amor... que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê”. (Luís de Camões)

O erotismo é intrínseco ao humano, motivo pelo qual acreditamos que ele esteja na religião e nos sistemas de crenças, bem como nas artes, desde os primórdios da civilização. O erotismo e a libido estão intimamente associados, já que provém da região libídica e não se dissocia do sexo nem do amor.

Seja na pintura  “O nascimento de vênus”, de Michelangelo ou na  escultura  do artista realista Auguste Rodin, “O Beijo”, o erotismo se faz presente. Outro tipo de arte que se vale da beleza do deus Eros é a Literatura. Primeiro o ‘ser erótico’ foi cantando em verso por  Giovanni Boccaccio , Decamerão, depois,  pelo Marquês de Sade, Contos Libertinos. Em verso e prosa, dos contos de fadas, Chapeuzinho Vermelho, dos irmãos Grimm, até a atualidade, O Erotismo se faz presente na Literatura Estrangeira seja com Lolita (1955), de Vladimir Nabokok, Delta de Vênus (1978), de Anais Nin como na Literatura Brasileira com A casa dos budas ditosos (1999), de João Ubaldo Ribeiro e quase todos os romances de Jorge Amado.

Sendo nossa Literatura um celeiro de obras da qual Eros figura nas páginas,  decidimos procurá-lo na poesia de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Mas, afinal, que é Eros?

Eros é um dos deuses mais antigos surgido depois do Caos na terra. O fato de ser antigo traz diversas fontes do bem e de tudo que o ser humano possa vir a conquistar, dignidade e riqueza, por exemplos, não se e compara a beleza que Eros é capaz de exalar, além do poder de insuflar os homens a grandes feitos. Em outras palavras, é uma força avassaladora da qual todos nós, homens e mulheres, não podemos escapar, que vem e que vai a seu bel-prazer dos corações humanos. “Toda operação do erotismo tem por fim atingir o ser no mais íntimo, no ponto em que o coração desfalece” (BATAILLE, 2013, p. 41).  Em outras palavras, é uma força avassaladora da qual todos nós, homens e mulheres, não podemos escapar, que vem e que vai a seu bel-prazer dos corações humanos. “Toda operação do erotismo tem por fim atingir o ser no mais íntimo, no ponto em que o coração desfalece” (BATAILLE, 2013, p. 41). 

Em Alguma Poesia, Eros aparece de maneira sensualizada e diabólica. No poema de sete faces essa sensualidade já é apresentada ao leitor

As casas espiam os homens
Que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
Não houvesse tantos desejos. (“Poema de Sete Faces” OC, p.5)

O eu-lírico, Carlos, assim como seu criador, Carlos, tímido e sensível transfere para as “casas” o poder da visão. São elas as testemunhas dos desejos entre homens-mulheres.

Conforme Dumoulié (2010, p.83), mantém-se entre “Deus e o homem um laço de amor-desejo, mas o desejo do mundo se reduz a diabólicas libidos”. Freud resgata o termo “libido” “para designar a potência do desejo” (DUMOULIÉ, 2010, p. 83). O desejo nasceria, portanto, da falta e da carência. Desejamos o que não temos. A carência de ter algo faz nascer o desejo. Em outras palavras, “Se encontra um objeto que satisfaça, logo soçobra na saciedade, no tédio, no aborrecimento. Se não encontra obstáculo algum, esfalfa-se em uma busca absurda e interminável”. (DUMOULIÉ, 2010, p. 101)

Ainda no mesmo poema, terceira estrofe, encontramos sensualidade e desejo:

O bonde passa cheio de pernas:
Pernas brancas pretas amarelas. 
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
Não perguntam nada.  (“Poema de Sete Faces” OC, p.5)

A contraposição entre o coração e os olhos exprime o conflito entre o sentimento e o desejo ou entre o amor em sua acepção mais idealizada e o erotismo.  O bonde cheio de pernas, aqui, através de uma sinédoque, substituído por mulheres, é sinônimo de desejo. Porém, como se trata de alguém destinado a “ser gauche”, esse desejo tende à frustração e à desilusão, ou melhor, trata-se um desejo gauche:

Dentro de você há um desejo torto
que elas não sabem.  (“Sombras das Moças em Flor” OC, pp. 60-61).

Infere-se, pelos versos, no interior do eu lírico, um desejo torto que o impossibilita de concretizar seus amores. Assim como passam as pernas, também passam os amores: “Mas o coração continua” (OC, pp. 181-182). Ou seja, “Tanto na sua origem como no seu fim, o desejo é por conseguinte sempre um sofrimento (...)”(DUMOULIÉ, 2010, p. 101)

Em outro poema, Drummond junta o céu e o inferno. O primeiro representa o “amor místico”; o segundo, o “amor diabólico”.

E os corpos enrolados
Ficam mais enrolados ainda
E a carne penetra na carne. (“Casamento do Céu e do Inferno” OC, pp. 6-7).

Contrariar, transgredir valores e princípios para se opor à ordem natural da criação do mundo, na junção do Bem (Céu)  e do Mal (Inferno) é uma típica atitude gauche. O corpo (carne), aqui, é tratado como receptáculo de prazer, quando ‘a carne penetra na carne’. Prazer, desejo e sensualidade é o que observamos quando 

A dançarina espanhola de Montes Claros
dança e redança na sala mestiça
Cem olhos morenos estão despindo
seu corpo gordo picado de mosquito.
Tem um sinal de bala na coxa direita,
o riso postiço de um dente de ouro,
mas é linda, linda gorda e satisfeita.
Como rebola as nádegas amarelas!
Cem olhos brasileiros estão seguindo
o balanço doce e mole de suas têtas.... (“Cabaré Mineiro”, OC, p. 30)

Composto de uma décima, com versos variando de métrica entre 10 e 12 sílabas – o  corpo é exposto de maneira fragmentada, grotesca “corpo gordo picado de mosquito” e, por que não dizer sensual “Como rebola as nádegas amarelas!”. O corpo da dançarina, numa visão cristã, é um ‘convite’ para o pecado. 

O amor, ‘palavra essencial’, cantado em suas várias dimensões e manifestações, paternal, fraternal, humanitário, solidário, erótico, na concepção drummondiana, também não é puro, idealizado, romântico, desprovido de sexo, à distância, ou seja, não é platônico.  É um sentimento caracterizado por sua completude, pois envolve ‘corpo’ e ‘alma’. É aristotélico, porque se trata sentimento de seres imperfeitos.

O erotismo, no texto  drummondiano , pauta-se no sentimento da sensibilidade e no trabalho sensual com as palavras para proporcionar o leitor vivenciar a experiência interior  de que nos fala Bataille (2013) através da arte. Em suma, o erotismo é uma atividade humana. Portanto, o poeta gauche tinha razão: “Sejamos pornográficos”.

* Doutoranda em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC). 

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Carlos Drummond de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 2002
DUMOULIÉ, Camille. O desejo do homem. In: O desejo. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 7-145.

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