Xilogravura: desligamento da literatura e comercialização da arte


Por Jéssica Monteiro Ferreira* 

Xilogravura de Carlos Henrinque usada como Lambe-lambe 
 O desenvolvimento da xilogravura no Brasil está diretamente relacionado á imprensa, com a chegada da Imprensa Régia em 1808. Á medida que os equipamentos gráficos vão caindo em desuso nos grandes centros, passam a interiorizar e chegam ao Nordeste. Por volta de 1824 é implantada no Ceará, no rastro da Confederação do Equador, porém somente em 1909 a imprensa chega a Juazeiro do Norte com o jornal O Rebate, instrumento de sátira política e emancipação da cidade.

O espaço foi aberto aos artesãos, principalmente santeiros e escultores de ex-voto, devido á demora na produção das ilustrações através dos clichês de metal nas gráficas em Recife (cerca de 10 dias). A xilogravura, com habilidade para suprir a deficiência maquinaria, proporcionou uma agilidade ao processo de impressão das gravuras sob os folhetos jornalísticos e de divulgação. Porém, não existiu uma substituição de técnicas, os clichês de metal não foram descartados, a atividade aproximada do modelo medieval das corporações de ofícios, não só coexistiu como conviveu com as novas tecnologias na maior parte das tipografias juazeirenses e como é característica da indústria cultural, necessita-se balancear clássicos e lançamentos, gerando uma expectativa da relação novidade e redundância.

Xilogravura de Hamurabi Batista 
Inserido no contexto da Cultura Popular o imaginário popular sertanejo, impreterivelmente na relação religiosidade e devoção, está retratado nestas produções xilográficas. Vivências, aprendizados e principalmente crenças são reproduzidos em personagens míticos, princesa, dragões, apaixonados e valentes e temas correspondente a realidade cotidiana entrelaçados no imaginário popular que saltam diretamente das memórias coletivas dos populares para as matrizes na umburana e nos versos dos cordéis.

Essa técnica tem sua fase áurea, enquanto elemento associado a editorial, no Ceará nos anos 40, com a parceria xilogravura e cordel, aproximando a literatura do artesanato (através dessa associação indissolúvel com o cordel, podendo-se afirmar que a xilogravura é a identidade visual do cordel).

A vocação de Juazeiro do Norte em sediar pequenas oficinas, nos anos 50, diversificou as encomendas de matrizes. As matrizes de xilogravuras agora tinham a finalidade de suprir as solicitações dos fabricantes e as exigências de divulgação das diversas embalagens comerciais, rótulos de produtos alimentícios, drogas lícitas, fogos de artifícios e produtos de perfumaria. A especificidade do mercado e suas tendências pré-capitalistas transformaram a xilogravura em um produto para o fortalecimento da economia, segregado-a da imprensa editorial.

Com o avanço da industrialização que, as embalagens receberam uma grande importância, através da difusão das marcas e tendências das artes visuais mediada pela televisão nos anos 60, favorecendo a crescente demanda da produção xilográfica.

A chegada da televisão á capital cearense, no início dos anos 60, distanciou ainda mais a xilogravura da literatura de cordel, ampliando o campo comercial da xilogravura nas embalagens interferiu em hábitos interioranos e contribui para a reformulação do imaginário. As mudanças ocorridas no imaginário popular influenciaram a tradição sertaneja, estreitando o espaço das vigílias e a leitura dos versos em cordéis nos terrenos das fazendas.

A fabricação de folhetos já estava em declínio no final dos anos 50, devido às conseqüências da seca de 58, mas os fatores determinantes para essa declínio foram realmente a interferência midiática no imaginário e o desenvolvimento industrial, agravado com a implantação da Sudene em 1959 que lutava pela industrialização do Nordeste e com a crise do papel após do golpe de 64, onde os danos afetaram não só o cordel, mas também editores de porte com a suspensão de seus financiamentos e o apoios.

Visto que, a mão de obra era barata e que o interesse comercial era especificamente de promoção de vendas, era evidente o descaso com a técnica da xilogravura, tachada como arte menor, conseqüentemente a maioria das matrizes eram anônimas. A autoria das peças está vinculada ao respeito e o reconhecimento da produção do xilógrafo, a ousadia de alguns destes na produção artística, inseridas nesse contexto econômico, se escondia atrás de pseudônimos, estratégia de adaptação para perpetuar a xilogravura.

O rompimento de alguns xilógrafos dos limites das embalagens comerciais e das capas de folhetos permitiu a inserção da xilogravura no circuito de arte e a atualização da velha gravura permitiu a livre produção criativa e o desmembramento de novos códigos e de novas significações.




*Jéssica Monteiro Ferreira é  Graduanda do curso de  História na Universidade Regional do Cariri -URCA/CE 
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