A
IMAGEM ARQUETÍPICA NO DESENVOLVIMENTO DE APROPRIAÇÃO TEXTUAL
Por Dakini Alencar*
Resumo:
Este artigo vem tratar do desenvolvimento e apropriação do texto teatral
“Perdoa-me por me traíres”, do autor Nelson Rodrigues. A princípio a construção
da cena foi através do uso da memória individual, que se manisfesta através do
acesso as nossas mémórias conscientes e cria ramificações e conexões dentro do
processo criativo. A escolha pela memória e repetição singularizou o processo e
nos deu uma menção da importância de um processo de criação bem elaborado e
conciso, superando limites e abrindo a porta do universo invisível, onde estão
guardadas todas as possibilidades do oficio do ator. Chamaremos de ponto de mutação essa relação,
que já tornou-se o “movimento criador”. O uso da memória individual dentro do
processo criativo, foi estabelecendo uma conexão e identificação dos atores com
suas esperiências de vida, pois a memória é uma junção de toda a nossa
construção como ser social. O movimento criador teve como obstáculo barreiras
construídas de forma inconsciente pelos atores, a atenção voltava-se agora para
uma forma de trabalhar a subjetividade e construir de forma objetiva a vida do
personagem. Essa rede de criações através do uso da memória, nos fez pensar
como o ser está intimamente incrustado em seu tempo e espaço e que ao
concentrar um processo criativo somente no sujeito se fazia ineficiente nessa
tentativa de pluralidade. O uso da imagem arquetípica, que é a representação de
algo inconsciente que se manifesta através da conscientização, na qual
poderíamos então explorar esse ser social pluralizado, dissipando as suas
unicidades no processo criativo, foi a solução para a construção de situações
que favorecessem os personagens, o que
resultou em um trabalho cheio de nuances e conflitos.
Palavras-chave:
apropriação textual; memória; imagem arquetípica.
Summary: This article is
dealing with the development and appropriation of theatrical text "Forgive
me for I betray," author Nelson Rodrigues. The first building was the
scene through the use of individual memory, which manisfesta through access our
conscious memories and creates ramifications and connections within the
creative process. The choice for memory and singled repeat the process and gave
us an indication of the importance of a process of creating well-crafted,
concise, surpassing limits and opening the door to the invisible universe,
where are stored all the possibilities of the actor's craft. Call the turning
point this relationship, which already Tornau up the "creative
movement". The use of individual memory within the creative process was
establishing a connection and identification with the actors esperiências their
life, because memory is an amalgamation of all our construction as a social
being. The creative movement had as an obstacle barrier constructed
unconsciously by the actors, the attention is now turned to a form of
subjectivity work objectively and build the character's life. This network of
creations through the use of memory, made us think how being is intimately
embedded in their time and space and to focus the creative process only if the
subject was ineffective in trying to plurality. The use of archetypal image,
which is a representation of something unconscious that manifests through
awareness, in which we could then exploit this social being pluralized,
dissipating their unicidades in the creative process, the solution was to
construct situations that favored the characters , which resulted in a work
full of nuances and conflicts.
Keywords: textual appropriation, memory, archetypal image.
Keywords: textual appropriation, memory, archetypal image.
INTRODUÇÃO
O
uso da memória individual dentro do processo criativo, veio a estabelecer uma
conexão e identificação dos atores com suas experiências de vida, pois a
memória é uma junção de todos os aspectos condicionantes na construção como ser
social. Em determinado momento do processo criativo, houve uma dificuldade em
continuar, pois nos deparamos com posicionamentos pessoais dos atores,
condicionados por determinados bloqueios psicológicos, que eram contrários aos
personagens. O uso da imagem arquetípica, que busca o inconsciente coletivo,
foi a solução para a construção de situações que favorecessem os personagens.
Descreveremos todas as etapas desse processo no que segue.
FALANDO UM POUCO SOBRE MEMÓRIA NA
APROPRIAÇÃO TEXTUAL
O
projeto de criação do experimento cênico
que deu ao movimento criador a característica de pesquisa que se
perfazia em um processo investigativo, havia uma relação constante entre o
universo que ia se descortinando nesse percurso e as memórias dos atores. A
escolha pela memória e repetição singularizou o processo e nos deu uma menção
da importância de um processo de criação bem elaborado e conciso, a condução
explorou o que poderia ser oferecido
pelos atores, superando seus limites e abrindo a porta do universo invisível,
onde estão guardadas todas as possibilidades do oficio do ator. Chamaremos de ponto de mutação essa relação, que
já tornou-se o “movimento criador”. O movimento
criador teve como obstáculo em determinado momento do processo, barreiras
construídas de forma inconsciente pelos atores, o que fez necessário um
aprofundamento na pesquisa e então buscamos esmiuçar as possibilidades, pois:
“A arte ensina justamente a
desaprender os princípios das obviedades que são atribuídas aos objetos, as
coisas. Ela parece esmiuçar o funcionamento dos processos da vida,
desafiando-os, criando para novas
possibilidades. A arte pede um olhar curioso, livre de “pré-conceitos”, mas repletos
de atenção” (CANTON, 2009 – p.13)
E para o
encenador(a) a atenção voltava-se agora para uma forma de trabalhar a
subjetividade, para construir de forma objetiva a vida do personagem,
estabelecendo assim as relações necessárias com a vida e historicidade dos
atores, o que nos fez aprofundar a pesquisa na IDENTIDADE SOCIAL.
A
IDENTIDADE SOCIAL E SUA CONSTRUÇÃO
Algo
perceptível na condução dos atores foi a influência que a construção social tem
diretamente sobre a forma como os mesmos viriam a se apropriar do texto e criar
a densidade necessária à cena.
Para estruturar essa costrução nos baseamos nos
ideias desenvolvidas por Lev Vygotsky, Filho de uma
próspera família judia, que formou-se em direito pela Universidade de Moscovo
em 1918. O contexto em que viveu
Vygotsky ajuda a explicar o rumo que seu trabalho iria tomar. As suas ideias
foram desenvolvidas na União Soviética criada pela Revolução Russa de 1917 e
refletem o desejo de (re)escrever a psicologia, com base no materialismo
marxista. O projeto ambicioso e a constante ameaça da morte (a tuberculose manifestou-se desde os 19 anos de
idade e foi responsável por sua morte prematura) deram ao seu trabalho,
abrangente e profundo, um caráter de urgência.
Apesar
de sua formação em Direito, destacou-se à época por suas críticas literárias e
análises do significado histórico e psicológico das obras de Arte, trabalhos
que posteriormente foram incorporados no livro "Psicologia da Arte",
o que nos fez compreender que o desenvolvimento da
aprendizagem e a construção do conhecimento perpassavam pela produção da
cultura, como resultado das relações humanas. Por conta disso, procuramos
entender o desenvolvimento intelectual a partir das relações histórico-sociais,
ou seja, o conhecimento é socialmente construído nas relações humanas.
Baseado nas teses do
materialismo histórico, Vygotsky destacou que as origens das formas superiores
de comportamento consciente deveriam ser buscadas nas relações sociais que o
sujeito mantém com o mundo exterior, na atividade prática. Para descobrir as
fontes dos comportamentos especificamente humanos, era preciso libertar-se dos
limites do organismo e empreender estudos que pudessem explicar como os
processos maturacionais entrelaçam-se aos processos culturalmente determinados
para produzir as funções psicológicas superiores típicas do homem (MEIER;
GARCIA, 2007, p. 53).
Dessa forma, a comunicação entre os
indivíduos e grupos sociais enriquece e favorece o respeito mútuo na relação
dos mesmos, o que vem a tirá-lo da condição de ser biológico a condição de ser
social, propiciando-os através da
relação dialética a construção do
conhecimento.
O ser humano é um ser social e
consequentemente ao nascer está inserido em um ambiente carregado de
informações culturais, o que vai lhe propiciando, diante do seu
desenvolvimento, a captação de tais informações. Para Vygotsky, essa captação e
internalização acontece de forma individual e consequentemente se torna pessoal;
No processo de internalização, o que é
interpessoal,inicialmente, transforma-se em intrapessoal. Essa re-construção
tem como base a mediação semiótica (particularmente a linguagem) e envolve as
ações do sujeito, as estratégias e conhecimentos por ele já dominados, as
ações, estratégias e conhecimentos dos outros e as condições sociais reais de
produção das interações (FONTANA, 2005, p.11-12).
Ou seja, para Vygotsky o conhecimento
é construído de forma dialética, estimulado pela realidade objetiva e prática
social acumulada historicamente.
Nesse contexto, a constituição do
homem acontece a partir da relação com o outro enquanto ser social. Assim, “a cultura
se torna parte da natureza humana, num processo histórico que, ao longo do
desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do
homem” (OLIVEIRA, 1992, p.24), ou seja, o desenvolvimento intelectual do homem
está intimamente ligado às relações sociais, que têm como produto a cultura, o
conhecimento. Posicionando-nos diante dessa comprovação, percebemos que ao nos
depararmos com as subjetividades teríamos que trabalhá-las direcionando o
trabalho ao seu foco, a criação da cena partindo da memória, encontramos então
a solução no uso da IMAGEM ARQUETÍPICA.
1- O USO DA IMAGEM ARQUETÍPICA
O texto “Perdoa-me por me Traíres” de Nelson Rodrigues traduz-nos uma problemaização de caráter social, no que diz respeito à submissão e
manipulação do outro, características essas que foram levantadas em debates nos
encontros entre os atores e (o)a encenador(a).
Ao perceber que nos encontros não havia apropriação dessas
características próprias do texto, o encenador(a) observou que diante dos
bloqueios psicologicos, os atores não conseguiam corporeificar as nuances dos
personagens, segundo conclusão dos próprios atores, que declaravam não se
sentir muito à vontade nas circunstâncias dadas pelo texto, optamos então por
usar o inconsciente tendo em vista que,
uma camada
mais ou menos superficial do inconsciente é indubitavelmente pessoal.
Nos a denominamos inconsciente pessoal.
Este porém repousa sobre uma camada mais profunda que já não tem sua origem em
experiências ou aquisições pessoais, sendo inata. Esta camada mais profunda é o
que chamamos de inconsciente coletivo.
[...] Uma existência psíquica so pode ser reconhecida pela presença de conteúdos capazes de serem
conscientizados. Só podemos falar portanto de um inconsciente à medida em
que comprovarmos os seus conteúdos. Os conteúdos do inconsciente pessoal são
principalmente os complexos de totalidade
emocional, que consistem a intimidade pessoal da vida anímica. Os conteúdos
do inconsciente coletivo, por outro lado, são chamados arquétipos.(JUNG, 2000, p.14-15)
Levando então em consideração os
estudos do pesquisador, focamos no arquétipo a ser usado diante das
necessidades e problematizações apresentadas. Já que os atores se sentiam pouco
envolvidos com as caracterizações dos personagens e por vezes pareciam até
incomodados, a grande questão era agora encontrar uma forma de trazê-los de
forma subjetiva às necessidades de atuação, dentro das cricunstâncias dadas do
texto de Nelson Rodrigues.
2.0 – O PROCEDIMENTO UTILIZANDO O ARQUÉTIPO DO LOBO
A
pesquisadora Clarissa Pinkola em seu livro “Mulheres que correm com lobos” faz
uma descrição do ser primitivo e instintivo que há dentro da mulher,
comparando-a e associando-a ao lobo. Por fim afirma que para um homem ter
acesso a essa mulher selvagem terá tambem que acessar o seu instinto selvagem e
primitivo, o que nos apresenta o arquétipo da mulher selvagem, comparando-a e
descrevendo-a em comum com o lobo. Definimos então que o uso da imagem de um
lobo traria todas as contradições e aprofundamentos necessários a cena.
No
momento da condução foi criado todo um ambiente no qual as luzes foram
apagadas, e os atores foram direcionados a visualizar a seguinte dramaturgia:
uma floresta ao entardecer, vento forte que derrubavam as folhas amareladas do
outono, vocês estão caminhando por essa floresta desconhecida, chegam em uma
grande clareira e em seguida o lobo se aproxima e olha-os nos olhos de forma
hipnótica e sedutora, movimentando-se lentamente. Na sequência dessa narrativa
o(a) condutor(a) solicita que agora eles sintam toda a sedução daquele
movimento suave e sedutor, que resultará no ataque, sentindo-se envolvidos e
seduzidos eles próprios de presa virariam predador e tornariam-se os lobos,
iriam se movimentar igual um lobo, pensar como o lobo. Na sequência, ao
percerber o envolvimento dos atores, o(a) encenador(a) falava o texto e pedia
que os atores repetissem o texto, o que era conduzido através de um jogo onde os
atores interagiam com as qualidades de movimentos geradas no processo. Diante desse processo foi perceptível o
desbloqueio dos mecanismos de censura. Levando os atores a criarem ações psicofísicas.
Experienciar
essas ações criadas diante do processo acima descrito, foi de fundamental
importância para a construção dos personagens e apropriação textual na
finalização da cena, visto que o mesmo, feito repetidas vezes nos encontros que
se seguiram, trouxeram a mesma às ações psicofísicas necessárias ao projeto
do(a) encenador(a).
Os processos criativos direcionados
pelas individualidades tem a vida pulsante em sí, pois estão em constante
movimento. Somos seres pluralizados em nossa construção social e ao dialogarmos
com outros seres, nos enrredamos em uma rede de criação que nos permite
explorar as unicidades e permitir que a arte se faça em comunhão com o grupo.
Ter um projeto e tentar seguí-lo nos faz escolher uma porta que ao ser aberta,
para a nossa surpresa, apresenta várias outras portas. A investigação de
diferentes caminhos para acessar a porta (a memória) objetivada nesse processo,
revelou como o caminho se constroi diante das vivências individuais,
conscientes e inconscientes. Esse entendimento nos permitiu acessar as ações psicofísicas
necessárias à criação dos personagens e apropriação textual.
REFERÊNCIAS:
CANTON, Katia –
Tempo e Memória / 2ª edição. São Paulo: editora WMF Martins Fontea, 2009
SALLES, Cecilia Almeida – Gesto
Inacabado: processo de criação artística / 2ª edição. São Paulo: FAPESP:
Anablume editora 2004.
SALLES, Cecilia Almeida – Redes
de Criação: Construção da Obra de Arte. São Paulo: Horizonte editora, 2006.
MEIER, M.; GARCIA, S. Mediação da aprendizagem: contribuições de
Feuerstein e de Vygotsky. Curitiba: Edição do Autor, 2007.
OLIVEIRA, M. K. de. Teorias psicogenéticas em discussão. 5. ed. São
Paulo: Summus, 1992.
FONTANA, R. A. C. Mediação pedagógica na sala de aula. 4. ed. Campinas:
Autores Associados, 2005.
VYGOTSKY, L. S. a formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
1984.
Pensamento e linguagem. São
Paulo: Martins Fontes, 1987.
ESTES, Clarissa Pinkola - Mulheres que correm com os lobos: mitos e
histórias do arquétipo da mulher selvagem;tradução de Waldéa Barcellos;
consultoria da coleção, Alzira M. Cohen. – Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
(Arcos do Tempo)
Tradução de: Women
who run with the wolves
Bibliografia.
1.
Mulheres
– Psicologia. I. Título. II. Série
JUNG, Carl Gustav – A Natureza da Psique, Obras Completas de C. G. Jung
Volume VIII/2, Tradução de: Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, OSB Título do
original alemão: Die Dynamik des Unbewussten (8. Band), © 1971, Walter Verlag,
AG, Olten; Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa: Editora
Vozes Ltda, 2000. Internet: http://www.vozes.com.br
*Diretora ,
coreografa, interprete criadora e acadêmica
do curso de Teatro da Universidade Regional do Cariri - URCA