Neste
momento histórico da Cúpula dos Povos, estamos sendo testemunhas de como (nos
espaços oficiais da Rio + 20) o sistema capitalista mundial, em sua natureza
camaelônica, pretende agora vestir-se de
verde, sem no entanto levar nenhum sopro de vida em suas veias obstruídas.
Nós nos apresentamos como
experiências sociais articuladas na Plataforma Puente Cultura Viva Comunitária,
e compartilhamos nossas reflexões e contribuições ao debate e construção
coletiva de outro mundo possível. Fazemos parte de experiências culturais comunitárias e
pontos de cultura, enraizadas em práticas e saberes diversos, experiências de
economia solidária e de cuidados dos nossos bens comuns. Elas se constroem com
base em valores que nada tem a ver com a concorrência, o lucro e a exploração. A
Cultura para nós é um direito vital e um bem comum. A Cultura, em uma
perspectiva comunitária, nunca será mercadoria. Ao contrário, é uma expressão
coletiva, encarnada na semente mais
profunda que é o próprio corpo, a semente da mudança onde germinamos outro
mundo possível.
Diante do fracasso do chamado
“desenvolvimento sustentável” e da proposta do “ capitalismo verde”, é preciso
afirmar com toda clareza que o que não é sustentável é o próprio capitalismo. Porque não se pode fazer frente à
crise sócio-ambiental sem mudanças substanciais nas estruturas econômicas e no
modelo de consumo atual. Necessitamos enfrentar e desconstruir as estruturas
hegemonizantes e dominadoras que hoje configuram o sistema em geral e a
indústria cultural e de consumo de entretenimento em particular. Necessitamos
construir uma visão de cultura e de mundo mais próxima a multiplicidade da
cultura comunitária, reconhecendo sua relação harmônica com os bens comuns e
naturais em cada comunidade.
Para enfrentar os
desafios que temos como humanidade é necessário um profundo fortalecimento das
experiências culturais comunitárias, locais, regionais e itinerantes, que hoje
protagonizam tantos meninos e meninas, jovens, adultos e idosos na América
Latina. Está cada vez mais claro que as dimensões do desenvolvimento não se
esgotam no econômico e no produtivo, e que a estes devem incorporar-se as
dimensões ética, estética e solidária como aspectos integrais da vida humana, e
que estes elementos se conjugam quando fazemos coletivamente arte, comunicação,
educação e cultura.
Reivindicamos o direito Água como a
Terra e a Cultura, a necessária inversão em cuidado e fortalecimento de nossas
culturas comunitárias e aprofundamento de uma democracia deliberativa e
comunitária:
1 – A Água como a Terra e a Cultura
são bens inegociáveis e básicos de dignidade, bens universais dos povos da
terra. Precisamos assegurar e reconhecer as culturas comunitárias, a
identidade, saberes e fazeres dos povos tradicionais, de terreiros, indígenas,
comunidades originárias, e construir coletivamente uma visão onde sejamos todos
efetivamente defensores do futuro. A vida não pode ser mercantilizada.
2 – Como parte fundamental do caminho
que fazem nossos povos na criação de uma democracia participativa e integral,
propomos que os governos do continente latinoamericano assegurem um orçamento
mínimo de 0,1% dos PIBs nacionais para a implementação de políticas públicas
que fortaleçam as experiências culturais comunitárias, autogestivas e
independentes, em uma perspectiva de desenvolvimento local, economia social,
acesso aos meios de produção e difusão cultural, direitos e cuidados com os
bens comuns e com o habitat das comunidades.
3 – Entendemos por
democracia deliberativa e comunitária em nossos países, que se inclua a cultura
como elemento central da diversidade, e que uma nova cultura política
emancipatória e cidadã se fundamente em novos paradigmas mais solidários,
democráticos e cuidadosos de nosso bens comuns. E que as políticas públicas de cultura sejam criadas
e compartilhadas em diálogos abertos e democráticos, de baixo pra cima, e que
estas dimensões estejam incorporadas em programas políticas e legislações
culturais.
Afirmamos
que entendemos como Cultura Viva esta mescla festiva da cultura com a natureza,
dimensões que podem se conjugar se acreditarmos com firmeza em nosso poder
coletivo e humano. Com a emoção dos que
se somam com alegria à grande Caravana da Vida, semelhante à que experimentamos
viajando por nosso continente para nos somarmos a este espaço de encontro,
destacamos que é mais fácil ver cair um edifício alto do que uma árvore de
raízes profundas como a ceiva e o baobá. Seguiremos semeando os milhões de
ceivas e baobás que necessitamos para transformar o mundo desde suas raízes e
desde suas sementes.
Um abraço latinoamericano. Viva La
pátria grande!
Plataforma Puente
Cultura Viva Comunitária
Red Latinoamericana de Arte para la
Transformación Social (RLATS), Articulación Latinoamericana Cultura y Política
(ALACP), Red Latinoamericana de Teatro en Comunidad, Asociación Latinoamericana
de Educación Radiofónica (ALER), Red Maraca, Red Mesoamericana, Red Brasileña
de Arte Educadores (ABRA), Red Latinoamericana de Gestores Culturales, Comisión
Nacional de Puntos de Cultura de Brasil,Terra des Homes Alemanhã, Hivos,Rede
Afroambiental e Rede Nacional dos Povos de Terreiros.