Marcos Salmo Lima Barreto[1]
RESUMO:
As
questões de reconhecimento de identidade cultural, principalmente no que diz
respeito à compreensão da ancestralidade, memória e etnia, são alguns dos
problemas em cidades desprovidas de ações culturais mais concretas, focada em
um grupo especifico ou ainda sem aproveitamento de potencial cultural
permitindo o acesso da população a esses bens de forma comum, somada ainda essa
falta de apropriação de identidade esta a evolução da globalização tecnológica
e de cultura de massa.
Para
ir de encontro as essas transformações e a descaracterização da identidade
cultural, nesse artigo utilizando como estudo de caso as ações da Fundação
Balceiro de Cultura Popular, no município de Assaré, Estado do Ceará, iremos
buscar refletir e compreender a importância da instituição e suas ações para o
fortalecimento da identidade cultural de jovens da cidade de Assaré, através do
protagonismo dos mesmos, partindo do reconhecimento da importância da obra de
Patativa do Assaré e redescobrindo a diversidade cultural local e entender como
a entidade se configura como um dos principais vetores de transformação social
e cultural no ambiente escolar e comunitário.
Palavras Chaves: Identidade
Cultura, Fundação Balceiro, Ações Culturais e Apropriação.
Introdução.
Antes mesmo de nos aprofundarmos um
pouco mais sobre o objetivo desse trabalho é necessário compreendermos alguns
conceitos importantes o qual esse estudo de caso está inserido. A palavra ou
conceito de cultura é multidiscursiva, podendo ser definida em diversos
contextos, tais como intelectual ou artística, mas aqui utilizaremos uma
definição um pouco mais antropológica e sociológica, onde Barros (. 2008, p. 20) apud Silva, afirma que: “a cultura engloba os aspectos que definem a identidade de uma pessoa,
dos grupos e das sociedades como valores, percepções, imagens, formas de expressão,
comunicação”. Ele conceitua cultura
como algo ligado mais as interações e integrações sociais como os valores
adquiridos, a forma como as pessoas se expressão e como elas se comunicam entre
si.
Outra importante compreensão é o da identidade cultural com representação
de uma construção pelos grupos sociais ao longo da história, nas suas mais
diversas formas de subsistência, nas relações sociais, políticas, educacionais,
cotidianas, na produção do conhecimento, na interação com outros grupos em um
determinado território, formado a partir de diversas influencias étnicas,
raciais, onde os grupos sociais envolvidos se reconheçam como detentores dessas
diferentes dimensões simbólicas, conforme atesta Stuart Hall (1999), “Uma
identidade cultural enfatiza aspectos relacionados a nossa pertença a culturas
étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas, regionais e/ou nacionais.”
A entidade analisada para
esse artigo é a Fundação Balceiro de Cultura Popular, uma instituição de
caráter artístico, cultural e beneficente, instituída pelos fundadores do grupo
junino Arraia do Patativa. Ela é uma entidade civil, com personalidade jurídica
de direito privado, sem fins lucrativos. E tem por finalidade promover ações, projetos e programas de fruição,
preservação, difusão, promoção e compartilhamento de bens e serviços culturais com
atividades direcionadas à adolescentes e jovens da cidade de Assaré no interior
do Ceará.
A instituição desenvolve suas atividades na busca de que
a identidade do jovem urbano, em meio à quantidade de informações dos mais
variados setores decorrentes do processo de globalização e valorização da
cultura de massa, facilitada pelo avanço da tecnologia, pela difusão quase que
simultânea à ocorrência dos fatos, não perca o sentido de pertencimento de sua
identidade cultural.
A metodologia de apropriação, redescoberta e fortalecimento da identidade
cultural utilizada pela Fundação Balceiro na zona urbana de Assaré, se
fundamenta ainda no entendimento que a continuidade e valorização das
diferentes dimensões simbólicas da identidade cultural daquele território, não
é um bem imaterial fixo, quanto menos imutável, ela apresenta - se por
diferentes releituras e alterações decorridas de forma dinâmica, acompanhando o
processo evolutivo e desenfreado da globalização e as novas tecnologias, assim
os valores, costumes, crenças, hábitos e falas ganharam novas estruturas,
condizente com as mudanças ocorridas nos grupos sociais.
Desta forma este trabalho nos conduz a uma reflexão proativa da
importância da utilização de ferramentas, ações, projetos, atividades
culturais, organização social, protagonizadas por jovens com idade entre 15 e
29 anos de idade como mecanismos fundamental dos processos de apropriação e
reconhecimento da identidade cultural na cidade de Assaré. Assim esse
artigo objetiva uma analise dos comportamentos sociais de jovens através
da influência da Fundação Balceiro de Cultura Popular.
1.0 - A cidade de Assaré e o seu contexto histórico
- cultural.
A história relata que a
cidade de Assaré até o ano de 1775 era apenas um campo devastado sem nenhuma
vegetação, exceto a existência de alguns pereiros e canaúbas espalhadas pela
futura cidade. Naquele ano Alexandre da Silva Pereira, filho de Manoel da
Silva, comprando as terras do local e redondezas, veio estabelecer-se com a
toda a família, criação de animais e
escravos.
O proprietário tornou-se muito
conhecido e respeitado, em todas as regiões, desde a mais próxima até as mais
distantes, dada a facilidade de intercâmbio, tendo em vista o fato das terras
assareenses esta localizada na divisão de duas regiões. Segundo o IBGE (2010):
“ali se cruzavam as
mais movimentadas estradas da época: a Cariri - Inhamuns com o Piauí - Sertões
do Baixo (Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte); resultando um "pouso
certo" e confortável para os transeúntes que aproveitavam as ocasiões para
transações, transformando a fazenda em entreposto comercial”.
Com essa movimentação
Antonio da Silva Pereira, buscando promover o povoamento da região, doou
diversas terras em torno da fazenda, preocupando – se em deixar uma boa parte
das terras para a futura igreja.
Em 1831 foi elevado a
distrito de paz. A sede da freguesia, entretanto, ficou em Santana do Brejo
Grande (1838), local impróprio. A construção da igreja matriz começou em 1842
no local da antiga capelinha. Em 1844,
foi construído, nas terras da igreja, o simbólico açude denominado de “Banguê.
O Município de Assaré
surgiu a 19 de julho de 1865.
Hoje o município de Assaré, com 147 anos, continua
localizado na região agora denominada de semi-árido nordestino, especificamente
no sertão da macro-região do Cariri/Centro Sul, no estado do Ceará. Com uma
população de 21.612 habitantes (fonte IBGE). Que possui com cidades limitrofes
ao norte Antonina do Norte e Tarrafas, ao sul com Potengi, Santana do Cariri e
Altaneira, a leste com Altaneira e Farias Brito e oeste com Antonina do Norte e
Campos Sales, terra banhada pelos rios Felipe e Bastiões.
2.0 - Patativa do Assaré ou Assaré do
Patativa ?
A cidade de Assaré é conhecida
mundialmente pela obra do poeta Antonio Gonçalves da Silva, o Patativa do
Assaré. Ele nasceu em 5 de março de 1909 na Serra de
Santana, zona rural, no município de Assaré.
O poeta agricultor publicou o
livro Inspiração Nordestina, em 1956, Cantos de Patativa, em 1966. Em
1970, Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados Patativa do Assaré, e
ainda os livros Ispinho e Fulo, Aqui Tem Coisa, Balceiro I, e II em parceria
com o sobrinho e também poeta Geraldo Alencar.
Sua obra vem sendo estudada na
Universidade de Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular Universal, levada
pelo Professor Raymond Cantel. Patativa do Assaré era unanimidade no papel de
poeta mais popular do Brasil. A francesa Sylvie Debs, a Profa. Dra. Ria Lemaire, da Universidade de
Poitiers – França, professora emérita desta Universidade e coodenadora do Fonds Raymund Cantel de
literatura de cordel brasileira, o Dr. Gilmar de Carvalho da Universidade
Federal do Ceará, Candido BC Neto da Universidade Estadual do Ceará são alguns
dos estudiosos da obra de Patativa do Assaré.
O cotidiano de Antonio
Gonçalves foi a principal fonte inspiradora do poeta, o seu espaço de
construção real e simbólica, ofereceu – lhe um crescimento físico, intelectual
a partir da audição dos causos, das histórias populares, das cantorias pé de
paredes e a literatura de cordel, suas principais fontes de informação.
As criações poéticas de Patativa
do Assaré ganhou logo os palcos musicais, teatrais, espaços na TV e no rádio,
rendeu livros, biografias, estudos em universidades estaduais, federais e estrangeiras.
Para o professor Eugenio Oliveira (2012) : ‘‘Patativa propõe uma luta, sem tréguas, entre o pessoal e o solidário,
entre o que amealha para si e o que sonha com uma construção de um mundo mais
justo. Luta contra o inimigo/monstro bicho de sete cabeças, chamado sistema,
como todas as suas iniqüidade ’’.
Patativa desempenhou o seu papel como cidadão,
artista e revolucionário, que ao seu modo soube lutar pelos seus direitos,defendeu
o povo que tiveram o seu direito usurpado, bem como soube clamar e reafirmar o
seu dever como cidadão.
As denúncias e questões
sociais envolvidas na obra do poeta Patativa do Assaré, trouxe notoriedade para
a cidade de Assaré, que passou a ser visitada por estudantes, pesquisadores,
jornalistas de todo o Brasil para conhecer o poeta sem estudo formal de tamanha
sabedoria.
Essas visitas, estudos e obras sobre o poeta, fomentou um grupo de artistas
assareenses à criarem uma entidade que viesse a preservar e valorizar a vida e
a obra do poeta patativa do assaré. Foi quando em 1998 o governo de Tasso
Jereissati, a Secretaria da Cultuara do Estado do Ceará e Prefeitura Municipal
de Assaré, apoiaram a compra, reforma e instalação de um sobrado do século
XVII, para abrigar um museu que expusesse a vida e a obra do filho mais ilustre
da cidade, Patativa do Assaré. Em 05 de março de 1999 foi então inaugurado o
Memorial Patativa do Assaré, que possuem mais de 1.200 peças no seu acervo.
A partir dessa primeira
transformação cultural, a cidade passou a sofrer outras influências no ponto de
vista educacional, político, social e cultural. A chegada do museu promoveu
mudanças significativas, como a instalação de um sistema de abastecimento de
água, terminal rodoviário, sistema de eletrificação rural, estudo da obra nas
escolas do município e ao longo de sete anos mudanças nas políticas culturais da
cidade.
3.0 - Políticas Públicas de Cultura em
Assaré.
O desafio de uma política de cultura municipal é o de aumentar as opções
culturais de seus habitantes, incentivando a preservação, difusão, fruição e
promoção da cultura, mantendo sempre as fronteiras abertas.
A cidade de Assaré possui uma estrutura administrativa de uma Secretaria
da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer, entretanto as suas ações não são
políticas públicas efetivas e sim políticas de governo. Durante 07 anos e meio
da atual gestão municipal, a referida pasta tem desenvolvido eventos como o “Patativa
do Assaré em Arte e Cultura” se consolidou como um evento de porte estadual, nos
seus cinco dias de acontecimento oferece o acesso da população a bens
culturais, materiais e imateriais diversificados, troca de experiências e
conhecimentos, gerado trabalho e renda temporário. Outra política é direcionada
na promoção da leitura, com ações que garantem a comunidade o acesso ao livro e
leitura. Na Biblioteca Pública Municipal, existe um acervo de 3.500 livros e a
sua visitação e empréstimo anual aproximassem em mais de 8.000 livros.
A formação artística desenvolvida pela gestão pública também se configura
como outro importante fator para a promoção da cultura no município,
fortalecido pelos estabelecimentos de parceria público, privado como a Fundação
Memorial Patativa do Assaré, Centro Cultural Banco do Nordeste, Secretaria da
Cultura do Ceará e o Ministério da Cultura, atendendo jovens da zona rural com
aulas de violão, flauta e percussão, promoção da leitura, etc.
Outro destaque é o reconhecimento de ordem pública de trinta pessoas
detentoras de saberes e fazeres populares, como salvaguarda do patrimônio
imaterial da cidade, apresentando os mestres a população, as escolas, etc.
Esses programas de governo e outros eventos, apoios e ações levaram ao
município receber o Selo de Responsabilidade Cultural 2009 e 2010, titulo
outorgado pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará para os municípios que
mais investem em cultura.
É notória a influência do ícone de Patativa do Assaré nesse processe de
avanço sócio cultural da cidade, entretanto nenhuma dessas ações são
seqüenciais no caso da mudança de governo em eleições.
Com isso é notório a necessidade de desenvolver outras ferramentas que garantam
não apenas o desenvolvimento cultural, mas de reconhecimento e apropriação da
identidade cultural por parte dos munícipes com a participação de outros atores
sociais, tendo em vista a fertilidade cultural desse território a partir de uma
figura de maior notoriedade.
A política Nacional de Cultura, quando o MEC ainda era composto pela
Educação e a Cultura já afirmava:
“Uma pequena elite intelectual política e econômica pode
conduzir, durante algum tempo, o processo do desenvolvimento. Mas será
impossível a permanência prolongada de tal situação. Preciso que todos se
beneficiem dos resultados alcançados. E para esse feito é necessário que todos,
igualmente, participem da cultura nacional." (Trecho do documento Política
Nacional de Cultura, Brasília, MEC, 1975, p. 9.)
Essa participação política na cultura nacional deve ser dar tanto do viés
do beneficiado como no viés beneficiador, onde todos possam usufruir e promover
os bens culturais. Essas práticas quando saem do campo político – institucional
e transcende para a esfera civil, onde o povo é o agente fomentador e
transformador dessa fruição cultural. A Fundação Balceiro de Cultura Popular
está centrada nesse território de muita ambiência cultural.
4.0 - Balceiro e sua história.
A Fundação
Balceiro de Cultura Popular teve seu início, ainda sem planejamento apropriado
e especifico para esse fim, em maio do ano 2000, quando um grupo de alunos da
Escola Pública do ensino médio Raimundo Moacir Alencar Mota, em Assaré,
utilizando – se do conhecimento empírico de cada envolvido, reuniram-se para um
debate onde a pauta era a decisão da participação ou não nas festividades mais
tradicionais e populares do Ceará, nos festejos juninos, apresentando – se em
um festival competitivo, realizado pela administração pública municipal com a
participação da comunidade do bairro Pedra de Fogo.
Sob a
coordenação de quatro jovens com idades de 15 a 17 anos o grupo de quadrilha junina,
denominado Arraiá do Patativa, começou a organizar - se no sentido de
representar o município nos demais festivais juninos e competitivos da região do
Cariri cearense.
Após dois anos
da existência do grupo a Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Turismo e
Desporto de Assaré, tornou – se participante ativo no apoio aos jovens que já
encontravam – se organizados informalmente da ótica jurídica, mas muito
articulados do ponto de vista sócio cultural. A gestão pública passou a apoiar a
circulação do grupo.
Já com uma
participação mais ativa e ampliada em número de jovens e com a ajuda do então
gestor da pastada citada, Prof. Eugênio Oliveira, o Arraiá do Patativa passou
pelo processo de reestruturação, no que diz respeito a ampliar suas ações, voltado
para a busca e (re) descobertas das manifestações folclóricas e culturais de
Assaré.
Fundamentados
na vida e obra de Patativa do Assaré, o Arraiá do Patativa, começou a reunir –
se para debater, e discutir as diretrizes, objetivos e finalidades da entidade,
que iriam compor o documento que viria a reger a entidade. Os jovens começaram
a definir em debates realizados por várias vezes, em diferentes residências dos
participantes os 89 artigos que regem o seu Estatuto, à partir desse momento,
ocorrido no ano de 2007, recebeu a denominação de Fundação Balceiro de Cultura
Popular.
Segundo o
presidente da Fundação Balceiro, Felipe Lira, o nome da instituição foi atribuída
devido a diversidade cultural da região, fazendo referencia ao balceiro
realizado na agricultura familiar quando há o desmate e queima da caatinga e
junta – se em um único lugar plantas diferentes, com o intuito de queima-las. A
Balceiro de Cultura Popular, tendo em todas as suas atividades de atuação a
diversidade cultura de Assaré e os jovens como principais atores do processo.
Nos debates de
construção da entidade, segundo o capitulo II, artigo 6º do Estatuto Social da
Fundação Balceiro de Cultura Popular (2007), ficou definido como principal
objetivo da entidade: “Art.
6.º - A Fundação visa ao desenvolvimento e aprimoramento da Cultura Popular e
preservação do Patrimônio Material e Imaterial do município, especialmente no
seu aspecto sócio-artístico-cultural...”. Outros critérios foram
acordados de forma coletiva, sem necessariamente estarem registrados em um
documento legal, uma espécie de acordo em sociedade, conhecido popularmente por
“acordo de cavalheiros”, para que os jovens participassem do grupo, entre os
quais, os brincantes da quadrilhas junina Arraia do Patativa, estivesse preferencialmente
matriculado de forma regular na Escola, com um aproveitamento acima do exigido
por Lei e uma assiduidade mínima de 90%.
As pessoas na
sede do grupo possuem liberdade de conhecerem de forma gratuita a história e
ações do grupo apresentadas em forma de Memorial, com espaço aberto e gratuito
a visitação.
O processo de
reconhecimento e identidade cultural inicia – se justamente com o processo de inclusão
educacional, onde a entidade e unidades escolares interagem de forma a garantir
um desenvolvimento cidadão dos participantes.
A entidade
afirma ainda em seu estatuto social no parágrafo único do artigo 6º, que as
suas finalidades são o de buscar o sentimento de pertencimento da identidade
cultural quando no referido estatuto eles afirmam que: “No cumprimento de suas finalidades, a Fundação terá como
preocupação maior a busca de uma linguagem cultural e artística nordestina e
brasileira, fiel aos valores, sentimentos e caráter do nosso povo”.
O prof. Eugenio (2012), hoje
membro da instituição, afirma que: “Se hoje somos história é
porque fundamentalmente temos como princípio a valorização do ser na construção
de uma sociedade mais justa e igualitária tendo como essência a construção e a
conservação dos valores da vida”. É o que veremos a
seguir na analise do desenvolvimento das atividades e programas como ferramentas
desse processo de apropriação e reconhecimento da identidade cultural dos
jovens assareenses.
5.0
- Ações como ferramenta de apropriação de identidade.
É notória a motivada participação dos envolvidos nos diferentes processos
desenvolvidos pela entidade, onde há o respeito e aproveitamento do
conhecimento empírico dos mesmos como a pedra fundamental no processo de
apropriação da identidade cultural em Assaré.
A metodologia de planejamento coletivo e flexível desenvolvidos nos
projetos e ações da instituição torna mais viável e claro o processo de
empoderamento da identidade, a partir do contexto social dos envolvidos,
fomentando segundo o presidente da entidade, Felipe Lira (2012):
“A transparência acerca dos objetivos de cada atividade,
as metas a se atingir, e a interação do meio social com o cotidiano dos
participantes do grupo, Nesse sentido, eles vêem nas ações da Fundação um
espaço que atenda as suas necessidades como pessoas e cidadãos, cuja sua fome
de aprender, é a motivação para torná-lo um ser de busca”.
Podemos afirmar que um ambiente coletivo com diversos pensamentos, pode –
se canalizar as atividades com diferentes nuanças onde o reconhecimento da
identidade cultural acontece naturalmente. É o que iremos verificar em uma
analise das duas principais atividades protagonizadas pelos jovens envolvidos. A
primeira analise é feita a partir da construção do espetáculo cênico apresentado
pela quadrilha junina Arraia do Patativa.
O ciclo junino no Estado do Ceará é um dos momentos de maior mobilização
social, com o envolvimento efetivo das comunidades, nos eventos, quadrilhas,
quermesses, procissões dentre outras atividades. As quadrilhas juninas no
Estado do Ceará, parte deste ciclo, já se tornaram uma referencia em todo o
País, mesmo havendo um discurso entre quadrilhas estilizada versus quadrilhas
tradicionais. As quadrilhas juninas do Estado trazem em suas apresentações
temas diversificados, repletos de simbologia que compõem esse momento.
A Fundação Balceiro de Cultura Popular, através da quadrilha junina
Arraia do Patativa, em suas apresentações compõem assuntos através de uma
releitura artísticas de comportamentos, valores, costumes, linguagens,
valorizando a peculiaridade cultural de cada pessoa, cada lugar e ainda de cada
grupo de pessoas. Para Marcelo Martins (2012), brincante do grupo: “entendemos que cangaceiros, pescadores,
vaqueiros, etc. todos festejam o São João e gostamos de aprender esses
comportamentos, histórias e reapresenta-los ao povo em forma de quadrilha
junina”.
A Quadrilha Arraia do Patativa atua no
desenvolvimento, preservação e fruição das tradições juninas, os jovens
participantes são em suas maioria moradores de bairros em situação de
precariedade cultural, sem acessos a bens culturais materiais e imateriais.
Nessa ação a entidade proporciona aos envolvidos,
métodos de aquisição e troca de conhecimentos, formação artística,
empoderamento e mecanismos de sustentabilidade para o grupo, ora visto que
figurinistas, compositores, diretores, coreógrafos são pessoas formadas no
próprio grupo, através de oficinas e cursos.
O grupo nos seus desdobramentos, utiliza-se de outras
linguagens artísticas para promover as tradições juninas, como pesquisa e
mapeamentos, publicação de cordéis e produção de filmes. Ações estas que só
foram possíveis com as parcerias de várias instituições públicas e privadas.
A pesquisa, concepção, criação e desenvolvimento de cada espetáculo
acontece coletivamente entre os próprios participantes, onde acabam promovendo um
diálogo dos figurinos, música, casamento matuto, coreografias que envolvem as
quadrilhas juninas, com o imaginário popular, a linguagem sertaneja, a
literatura de cordel, o artesanato em couro, com os aboios, as toadas, elementos
dos reisados, caretas e bumba – meu boi, enfim com diferentes elementos que
compõe o universo concreto e simbólico da cultura popular, sem que a mesma
perca a sua essência.
Para ocorrer todos esses processos é ofertado aos brincantes oficinas de
nivelamento de conhecimento, para que os brincantes possam conhecer e entender
os diversos elementos da cultura popular, dialogando com a alegria e
historicidade da quadrilha tradicional, curso de formação artística para os
brincantes, além da montagem, a apresentação e circulação da quadrilha Arraia
do Patativa.
O incentivo à pesquisa contribui para o fortalecimento da apropriação por
essas manifestações, a prática é consequentemente o ápice do empoderamento,
onde os jovens reconhecem a sua história diretamente ligada ao seu presente, o
que acaba por despertar no envolvidos um amplo interesse de continuidade dessas
atividades.
Esse envolvimento protagoniza ainda um reconhecimento das pessoas, que
identificam – se a partir das suas memórias de um cotidiano modificado pelo
processo evolutivo da globalização e começam a participar diretamente no desenvolvimento
das ações.
As atividades começaram a ser levada as feiras de ciências, as
festividades religiosas e aos diversos convívios sociais da comunidade. Segundo
Felipe Lira (2012): “O protagonismo
juvenil contribui para a melhoria do comportamento de todos no ambiente
familiar e social, onde nossas ações possibilitaram a busca dos caminhos
sociáveis e com isso permitiu a sociedade de se envolver na história da Fundação
Balceiro”.
Nessa ação é notória que os jovens entendem que ao se apropriarem da
diversidade cultural local, eles se encontram socialmente como um membro ativo
na sociedade e compreendem ainda que a comunidade se espelha em muitos através
da participação em algum projeto da Fundação, esses jovens que são reconhecidos,
acabam facilmente inseridos na vida social da cidade, ganham mais espaços no mercado
de trabalho e respeito como conhecedores de muitos conceitos e práticas
culturais.
As atividades de produção do documentário
“Mestres dos Saberes e Fazeres Popular de Assareense”, e de acordo com as
diretrizes da instituição, é uma ação que almeja promover e compartilhar um
pouco da memória imaterial local através do registro, sistematização e
divulgação dos dizeres, saberes e fazeres característicos dos ofícios dos
Mestres e Mestras da Cultura Popular assareense, fieis representantes da
diversidade cultural assareense. Com os recursos audiovisuais, fotográficos e
textuais, e fazendo uso da tecnologia digital, possibilita uma interação entre
a educação e a cultura nas escolas locais e comunidade.
Esta atividade proporcionou aos jovens momentos de vivencia e troca de
saberes com os entrevistados e fez com o público envolvido percebesse que estão
inseridos em um universo de grande diversidade cultural, no qual algumas áreas
são carentes de informações sistematizadas e divulgadas especialmente em
relação aos saberes, dizeres e fazeres dos Mestres e Mestras da Cultura Popular
local.
O registro audiovisual e compartilhamento
de conhecimento com a rede de ensino é um recurso importante na relação mestres
x jovens x comunidade escolar, se modela com metodologia inovadora onde se pode
identificar uma ação concreta de como promover a busca pelo conhecimento da
identidade cultural e se apropriar dela como parte de sua vida cotidiana.
As escolas começaram a partir dessas
ações se apropriarem desse patrimônio e a discutir questões de identidade
cultural no ambiente da comunidade e em rodas de conversa na cidade.
A ação independente e ousada das
pessoas que compõem o espaço social, cultural, simbólico e real da Fundação
Balceiro, contribui para o amadurecimento
cultural da cidade, fazendo com que percebam que para além das incontestáveis
produções poéticas do Patativa do Assaré, existem, uma diversidade cultural,
que somada a lírica do poeta são indispensáveis a uma real compreensão da
identidade cultural dos jovens assareense.
Conclusão
A participação dos jovens
na elaboração e execução das ações, o compromisso, a capacidade de desenvolver,
criar, aprender, compreender e respeitar às diversidades culturais, usufruir de
forma consciente e sustentável do patrimônio material e imaterial, faz com que
jovens que nasceram e convivem em plena era tecnológico, oriundos de bairros sem
acesso a bens culturais, compreendam que em meio a imediatismo da vida moderna
existe um caleidoscópio de símbolos que constroem os nossos costumes, valores e
comportamento.
Falamos de identidade social como uma construção
simbólica que se dá em relação ao outro e se constitui num processo histórico e
cultural que, operando com o passado, com a ancestralidade e a hereditariedade,
processa o presente e transforma-se a cada momento e a cada contexto da
história (Silva, 2002 apud Silva, 2010).
A articulação cooperada entre Fundação, escola e
sociedade nos afirmar que a cidade de Assaré é um espaço de muita ambiência
cultural, com potencial de desenvolvimento de atividades de reconhecimento da
identidade cultural. Há aqui um entendimento da cidade como um espaço de
construção coletiva, com uma idéia de que cultura e identidade cultural, não
estão paradas no tempo, nem tão poucas são heranças oligárquicas, mas sim uma
cultura, de todos, para todos, mutável e sem perca de valores.
Assim o processo de apropriação e reconhecimento da identidade
cultural local em Assaré, tem a Fundação Balceiro com importante protagonista,
que compreende e compartilha com as novas gerações o conceito de que identidade
cultural não está marcada pela compressão de que é algo que está no passado e
precisa ser relembrado, em momentos comemorativos ou festivos, mas se apresenta
– se como uma continuada e dinâmica transformação ocorrida a partir das
relações sociais e culturais dos atores e agentes envolvidos, com o meio em que
vivem, buscando reconhecer sua essência enquanto ser humano culturalmente
existente.
REFERÊNCIAS.
SILVA, Vera Lúcia Neri da. As interações sociais
e a formação da identidade da criança negra. Universidade Federal Fluminense – UFF, julho de 2002.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Identidade
Cultural, Identidade Nacional no Brasil. Tempo Social - Rev. Sociologia da USP. S.
Paulo, 1(1), 1. sem. 1989.
MATTA, Roberto da.
Você tem cultura? Jornal da
Embratel, Rio de Janeiro, 1981.
FLORES, Murilo
Flores. A identidade cultural do território como base de estratégias de
desenvolvimento - Uma visão do estado da arte. Contribuição para o Projeto Desenvolvimento Territorial Rural a partir de
Serviços e Produtos com Identidade – RIMISP. Março 2006.
SEIXAS, Renato.
Identidade Cultural da América Latina: Conflitos Culturais Globais e Mediação
Simbólica. Cadernos
PROLAM/USP, p. 93 - 120. (ano 8 - vol. 1 - 2008).
BOMENY, Helena.
Sociologia e cultura: ultrapassando desconfianças. Artcultura. Rev. de
História, Cultura e Artes. Uberlândia (MG) , v.9, nº14, p.213-222,
jan./jun.2007. Disponível em ˂http://www.cpdoc.fgv.br˃ acessado em 15/10/2012.
TORRES, Miguel
e CARVALHO, Claudia P. Mediação e Reconfiguração de Identidades:
O Caso da Associação Cultural e Recreativa de Tondela (A.C.E.R.T.). VI
Congresso Português de Sociologia. Mundos Sociais: Saberes e Práticas,
Universidade de Nova Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Número de
série 157. 25 a
28 de junho de 2008.
SILVA, Susie Barreto da. Contextualizando
e Definindo Cultura. Disponível em: ˂http://meuartigo.brasilescola.com/educacao/contextualizando-definindo-cultura.htm˃
Acessado em 12/10/2012.
OLIVEIRA, Francisco Eugênio Costa e CARVALHO, Anna Christina Farias de, Patativa do Assaré: A Inclusão da Cultura Popular no Currículo das Escolas
Públicas do Município de Assaré – CE. Disponível em: ˂http://eugenioassare.blogspot.com.br/2009/08/patativa-do-assare-inclusao-da-cultura_3128.html˃
Acessado em 12/10/2012.
SILVA, Antonio Gonçalves da Silva. Ispinho e Fulo. Editora Hedra. 1ª
Edição. 2005.
________________, IBGE. Biblioteca Virtual. Histórico de Assaré – CE. Acessado em
12/10/2012.
MICELI, Sérgio. Teoria e
Prática da Política Cultural do Brasil. Revista Adm. Empresa. Rio de
Janeiro, 24 (1): 27 – 31 . Jan a Mar. 1984. Disponível em: ˂http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034-75901984000100003.pdf˃.
Acessado em 12/10/2012.
MARCIA, Valéria. Conceito de
Cultura... Disponível em: ˂http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/213055˃
Acessado em: 12/10/2012.
FONTES
Narrativa de Felipe Silva Lira, 27
anos, presidente da Fundação Balceiro de Cultura Popular, residente a avenida
Honório Vila Nova, 184 – Centro – Assaré, Ceará. Entrevista concedida em
14/10/2012 em Assaré – CE.
Narrativa de Francisco Eugenio
Costa Oliveira, 52 anos, professor e curador da Fundação Balceiro de Cultura
Popular, residente a Avenida Honório Vila Nova, 184 – Centro – Assaré, Ceará.
Entrevista concedida em 14/10/2012 em Nova Olinda - CE.
Narrativa de Marcelo Pereira
Martins, 25 anos, brincante e membro da Fundação Balceiro de Cultura Popular,
residente a Coronel João Alves, 86 – Centro – Assaré, Ceará. Entrevista
concedida em 14/10/2012 em Assaré - CE.
Estatuto da Fundação Balceiro de
Cultura Popular, registrado no cartório de 1º Oficio em Assaré, em julho de
2007.
Projeto Mestres dos Saberes e Fazeres Populares, arquivo
da Fundação Balceiro de Cultura Popular, 2010.
Projeto Brincando no Terreiro de São João, Dando Viva ao
Jumento Nosso Irmão! Arquivo da Fundação Balceiro de Cultura Popular, 2012.
[1] Graduando
em Administração Pública e Gestão Social, Universidade Federal do Ceará, Campus
Cariri, 2º semestre, disciplina Sociologia Brasileira.