Nada permanece, tudo se troca



Por Alexandre Lucas*

Imergir em novas descobertas e formas de organização política é sempre um desafio que perpassa por leituras a partir de vivências e por processos de escuta permanente, em especial quando somos um corpo estranho dentro da realidade. A partir da experiência que vem sendo desenvolvida pelo Coletivo Camaradas juntamente com uma série de parceiros na Comunidade do Gesso no Crato/CE, tenho aprendido sobre a dimensão política da criatividade das comunidades que se reinventam e se apropriam dos espaços.

A Comunidade do Gesso, um território com vários limites invisíveis, carrega a marca do estigma, desde a década de cinquenta do século passado. A comunidade se tornou por destinação judicial zona de prostituição oficial da cidade do Crato passando por cerca de quatro décadas sem receber nenhuma política pública. Até a década de noventa, a localidade não tinha saneamento básico. Em relatos de várias mulheres que vivenciaram o período da era da prostituição, o asseio, após as relações sexuais eram feitos em bacias de alumínio, bem como era inexiste vasos sanitários. O lixo era despejado nas margens do atual campinho dos Meninos do Gesso e tinha como guardiões os urubus.     

Com o declínio da zona de prostituição na comunidade, a droga se torna o elemento que vem agregar um novo estigma a localidade, zona de tráfico.

Em 1992, surge na Comunidade o Projeto Nova Vida que funciona até hoje como uma extensão dos braços do Poder Público, oferecendo educação infantil, atendimento na área de saúde, serviços de geração de renda e atividades no campo dos trabalhos manuais e das artes.

Desde 2008, o Coletivo Camaradas vem desenvolvendo ações na Comunidade do Gesso tendo como lugar primordial, o Campinho. O lugar tem características simbólicas e históricas para os moradores, tendo em vista, que foi e é um o principal espaço de diversão das crianças do sexo masculino, as quais ao longo das gerações ocuparam a área para brincar de pipas, bilas, lamas de gipsita, montanhas de rochas, bola e em cima dos vagões de trens que ficavam parados na localidade para serem carregados de gipsita.      
  
As moradias do entorno do Campinho dos Meninos do Gesso são fruto do sonho da casa própria, a ocupação. O sonho possivelmente seja bem maior e ele passa inevitavelmente pela quebra de estigmas e pela defesa das condições de dignas de moradia que incluem desde o saneamento básico ao direito de poder brincar.

Atento a essas questões, o Coletivo Camaradas vem tentando evidenciar criativamente o espaço e criando processos de organização política da comunidade, que obedecem há alguns conceitos como identidade, pertencimento, colaboração e empoderamento comunitário, através de ações como a exposição e o documentário “Cabaré Memórias de uma Vida”, o Dia das Crianças aonde são doados afetos e aprendizagens, a pipada no Gesso, evento que evidencia a soltura de pipas, pratica que vem sendo realizada há anos e por ultimo a Trocaria no Gesso que se caracteriza por uma ação mais elaborada que envolve diversas ações e parceiros.

Tentarei aprofundar um esboço em construção da Trocaria no Gesso.  A trocaria é uma ação realizada mensalmente no Campinho dos Meninos do Gesso e envolve as mais diversas trocas de objetos, como livros, CDs, vinis, calçados, plantas e roupas, além de propiciar oficinas, atendimentos em saúde e apresentações artísticas. Entretanto, a trocaria é um pretexto para demonstrar a capacidade e a importância da organização política como fator de conquista social.    

A Trocaria serve como leque de possibilidades e de envolvimentos, conseguindo juntar a sociedade civil e o poder público na demarcação da intervenção política. A partir desta ação é possível perceber o grau de vulnerabilidade social em que está situada a comunidade, bem com instigar a atuação do poder público na área, que mesmo como medidas paliativas ou pontuais criam a abertura de um canal de conhecimento das demandas e de dialogo. O que avança no sentido de sair do ambiente do anonimato. A Trocaria envolve a participação da Secretaria de Saúde, Meio Ambiente e Controle Urbano, Serviços Públicos, Assistência Social e a Coordenadoria de Políticas Públicas para Juventude.  

Por lado se cria o poder popular entre a comunhão dos moradores e da sociedade civil.      Tendo destaque a participação de acadêmicos de diversos cursos e universidades públicas e particulares da região do Cariri que de forma efetiva produzem a ação e propiciam reconhecimento da área, através de uma espécie de construção de uma cartografia social e de mecanismos de aproximação e vivencia comunitária, avançando desta forma na quebra de estigmas e no aprofundamento das relações humanas solidárias, a exemplo do trabalho desenvolvido na Trocaria pelo Grupo de Estudos Paideia da Universidade Federal do Cariri – UFCA. 

É essencial para esse processo, subverter uma lógica que ainda persiste nas comunidades de vulnerabilidade social que é perceber o agente externo, seja poder público ou sociedade civil como salvadores das suas áreas de habitação. É necessário combater de forma frontal o assistencialismo e colocar em primeiro plano o reconhecimento da capacidade da comunidade de se organizar e protagonizar a sua história.    
   
Os caminhos ainda são complexos, diversos e sem fórmulas, ainda teremos que ser trocadores intermináveis dos processos e reinvenções sociais. Nada permanece sem trocas.


*Pedagogo e artista/educador.      
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