A democracia Cultural


Anastácio Braga Nogueira*

O grande vetor na atual política cultural que permeou todo governo Lula foi a pluralização da questão identitária e a democratização do acesso aos bens culturais. Essa premissa se impôs desde a política de patrocínio até os investimentos públicos estruturantes. Através de ações como o “Mais Cultura”, buscou-se implementar a democratização cultural no país, fugindo do eixo econômico principal que domina o cenário cultural e contemplando comunidades carentes do interior do Brasil. Estaríamos então diante de uma democracia cultural?

Antes de tudo, a democracia é uma forma de governo concebida pelos atenienses, na Grécia antiga, onde os cidadãos tinham o direito de participar das decisões políticas da cidade-estado. Surgiu como oposição a tirania, apesar de só permitir a participação de parte da população: mulheres, estrangeiros, escravos e crianças não participavam das decisões políticas da cidade. Seu clichê define bem sua complexidade: é uma forma de governo do povo e para o povo, e apresenta um dos seus males históricos: o populismo.

O fazer democrático contemporâneo, não envolve apenas a participação popular no processo decisório, está absolutamente associado ao respeito e ao pleno exercício dos direitos fundamentais do ser humano. Os direitos fundamentais são de várias naturezas: sociais, econômicos e culturais; envolvendo questões como: direito ao trabalho, à saúde, à educação. Nessa diversidade de direitos humanos não há hierarquias, há interdependência. A dignidade humana para ser completa necessita desde comida no prato até o ingresso ao teatro.

O fato de a cultura ser um direito fundamental do ser humano e dentro de um contexto de maior acesso aos investimentos públicos na área cultural; precisa-se, para se efetivar, não apenas uma democratização cultural, mas uma efetiva democracia cultural, uma maior apropriação da sociedade sobre os bens, equipamentos e investimentos culturais. Para trocarmos a expressão “democratização cultural” por “democracia cultural” é necessário o pleno exercício do direito à cultura por toda a população, ou seja, uma participação popular em todas as fases da cadeia produtiva da cultura, respeitando-se todas as expressões de subculturas particulares, historicamente excluídas, dando-lhes a oportunidade e os meios de cultivarem suas expressões culturais significativas.

Esse efetivo protagonismo popular local, em todo processo produtivo da cultura, é a garantia da pluralidade e da perpetuação das diferentes manifestações de nossa sociedade. Assim, a nossa luta para estabelecermos a democracia cultural passa pela efetivação de uma sociedade democrática dentro de um cenário de liberdade, cidadania e igualdade. Essa igualdade não é a igualdade material, mas a igualdade de direitos, de participação e de garantias, ou seja, a compreensão e o respeito das diferenças e da diversidade humana. Somos iguais, porém diferentes, indivíduos de uma coletividade buscando nossos direitos e nossa dignidade.


*Arquiteto e urbanista.


Proxima
« Anterior
Anterior
Proxima »
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentário