A Política excludente de editais da Secult no Ceará


Por Alexandre Lucas*  

As políticas públicas para fomento a produção estética, artística e cientifica no âmbito das instituições governamentais é uma conquista que vem possibilitando a descentralização e democratização dos recursos públicos no país, bem como dando visibilidade e condições estruturais para continuidades, experimentações, circulações e promoção dos trabalhos desenvolvidos pelos feitores da arte, pesquisadores e produtores culturais.

A política de editais é uma forma de barrar o clientelismo e possibilitar formas mais acessíveis para garantir o acesso aos recursos públicos. A partir da década de oitenta, no século passado, diversas Secretarias Estaduais e Municipais e o Ministério da Cultura vêm adotando este artifício para atender às demandas de solicitação de recursos financeiros. 

Como não existe uma legislação nacional, cada localidade vem adotando uma forma particular de conceber as suas políticas de editais, a partir de conveniências e compreensões políticas e de gestão. 

No Estado do Ceará esse trabalho teve início no Governo do Tasso Jereissati com a Lei de Incentivo Fiscal para investimento do setor privado na Cultura que ficou conhecida como Lei Jereissati (1995). A lei criou também o Fundo Estadual de Cultura e o Mecenato Estadual. Apesar de a legislação representar um avanço significativo, ela aponta alguns empecilhos como: dependência do setor privado, somente as empresas de grande arrecadação poderiam “Investir”, isso também criou situações que somente as empresas da capital poderiam participar da Lei por conta da alta arrecadação de ICMS, tornando dificultosa a inclusão das propostas oriundas das regiões do Estado do Ceará. Sem contar a burocracia para conseguir finalizar um projeto. 

Venho analisado nos últimos anos, que a partir do atual Governo Estadual, vem ocorrendo um processo de aumento da burocracia na política de editais do Estado do Ceará, fator que é contraditório à política desencadeada a nível nacional pelo Ministério da Cultura - MinC e as instituições vinculadas. Enquanto o MinC tem aprofundado a desburocratização na maioria dos editais, a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará faz o papel inverso. O MinC analisa em primeiro caso o conteúdo/forma e sustentabilidade das propostas enviadas e por último, após aprovação da proposta, é que analisada os aspectos jurídicos. Já a Secult dispensa conteúdo/forma e sustentabilidade da proposta enviada para analisar em primeiro plano os aspectos jurídicos como elemento de classificação. 

Essa prática tem gerado uma inversão de lógica e excluído um grande número de feitores de arte e produtores culturais, privilegiando o que poderíamos denominar de “elite dos projetos culturais” normalmente constituídas por especialistas na área de gestão e contabilidade. Isso gera alguns complicadores que dizem respeito a tornar a Política de Editais “um bom negócio” como era encarada as políticas públicas para a cultura na época do Governo Neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. 

Nos diversos fóruns e nas conferências municipais e estadual da Cultura, uma das questões presentes é a desburocratização das políticas de editais. Porém, a gestão da Secult trata as reivindicações e as resoluções das instâncias de participação popular a exemplo da Conferência Estadual da Cultura como amontoado de palavras sem nexo. 

Isso é grave, pois representa um despeito a indicação popular de direcionamento das políticas públicas para a cultura. Caso o direito constitucional de indicar, propor e manifestar a discordância, viabilizados pelos mecanismos de consulta à população, como fóruns, plebiscitos e conferências não tenha importância política e mobilizativa, eles não seriam realizados. Vale ressaltar que hoje temos esses instrumentos consultivos por conta da insistência organizada dos movimentos sociais, notadamente constituído por forças progressistas e em muitos casos ligadas às compreensões políticas das esquerdas. 

Certa vez escutei de um “técnico” da Secult em um dos encontros no Cariri a seguinte afirmativa: “Para desburocratizar, teria que mudara legislação”. Essa afirmação é falsa e irresponsável, basta analisar as políticas de editais realizadas pelos Centros Culturais do Banco do Nordeste e pela Fundação Nacional da Arte – Funarte que prossegue a cada ano simplificando as formas de recebimento de proposta e viabilizando que qualquer artista e produtor possam encaminhar suas proposições sem ter que ser “um especialista da área de projetos”. Essas instituições servem como exemplo para citar apenas algumas ligadas ao Governo Federal que utilizam de formas parecidas, a simplificação. 

Um avanço tímido e insuficiente ocorreu na descentralização de recursos para as políticas de editais na gestão do Auto Filho a frente da Secult, quando estabeleceu 50% dos recursos para capital e 50% para as demais cidades do Ceará. Isso ainda é insignificante comparado a quantidade de cidades do Estado, mas é um avanço. Porém descentralizar e manter uma visão equivocada, excludente, elitista e despeitosa as indicações, sugestões e reivindicações dos diversos segmentos das artes e da cultura é estabelecer a política de “ouvido de mercador”, ou seja, é não considerar os reclamos de quem produz, conhece, dissemina e sobrevive da produção da arte e da cultura no Estado do Ceará. 

Esse discurso pode parecer exagerado, mas é compatível com o que vem acontecendo e reflete questões que não se resumem exclusivamente à política de editais, mas a estrutura em que se encontra a Secult, com vários problemas a serem solucionados, que dizem respeito à gestão e ao norte político. 

Acredito que o debate não termina aqui. Nem poderia. Temos muita luta para travar e muita gente ainda tem que dizer de que lado samba.





*Alexandre Lucas é – integrante do Programa Nacional de Interferência Ambiental – PIA,  pedagogo e  artista/educador

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