Cinema de Animação faz conhecimento circular pelo Pernambuco


O NORDESTE comemora este ano o centenário de uma de suas mais ilustres figuras, Luiz Gonzaga. Numerosos eventos e atividades relembram a trajetória do compositor, aclamado o Rei do Baião. Em Pernambuco, terra natal do sanfoneiro, não poderia ser diferente, e é de lá que vem uma homenagem bastante peculiar. Com a ajuda da tecnologia, o artista salta da memória de seus conterrâneos e ressurge como personagem de uma série de animações, criadas no Cine Anima.
Ação do Ponto de Cultura Cinema de Animação de Gravatá (PE), o Cine Anima promove oficinas itinerantes de animação e desenho animado a jovens desenhistas e artesãos. Um estúdio completo, com todos os equipamentos e materiais necessários para produzir animações, é transportado de cidade em cidade. Para celebrar os cem anos de Luiz Gonzaga, uma parceria com a Secretaria de Cultura do Estado vai oferecer oficinas que abordem vida e obra do artista durante o Festival Pernambuco Nação Cultural, que acontece em diversos municípios. Até o final do ano, o Cine Anima passará por 13 cidades do interior pernambucano, encerrando com uma mostra de todos os vídeos produzidos durante o Festival em Exu, dia 13 de dezembro, aniversário de Gonzagão.

O responsável pela iniciativa é o cineasta Lula Gonzaga, de 61 anos, considerado um dos precursores do cinema de animação no Brasil. Depois de uma especialização na Croácia, ele decidiu, ainda em 1985, botar o pé na estrada e ensinar os segredos da arte a jovens que não podem pagar um curso em uma escola ou faculdade. O nome Cine Anima veio somente em 2005, com a criação do Ponto de Cultura Cinema de Animação.
As oficinas geralmente ocorrem em comunidades indígenas, quilombolas, casas paroquiais, assentamentos e pontos de cultura. A preferência é dada a jovens entre 15 e 25 anos, que já conheçam um pouco de desenho ou artesanato, mas pessoas mais velhas com essas habilidades também podem se inscrever. Cada turma é formada por 20 alunos. As aulas acontecem de segunda a sexta, ou de terça a sábado, das 14h às 18h. Do início do projeto, nos anos 1980, até hoje, 1.155 pessoas já participaram das formações.

O estúdio itinerante carrega 20 mesas de luz – uma para cada aluno –, aparelhos de ilusão de ótica para criação dos movimentos, mesa pedagógica com exposição de todos os equipamentos e materiais usados na produção, cartazes de filmes e vídeos de animação de realizadores do Nordeste.
O princípio que permeia o Cine Anima é a simplicidade. Portanto, nada de instrumentos enigmáticos ou programas computacionais de última geração. Um dos aparelhos de ilusão de ótica, por exemplo, é uma réplica do primeiro tipo utilizado para animação e foi talhado pelos próprios oficineiros. A mesa de luz também é modesta. “A gente faz questão de que o processo seja bem artesanal e simples, esse é um aspecto fundamental da oficina. Queremos mostrar que o aluno pode conseguir os equipamentos necessários e fazer animação onde estiver”, explica Gonzaga. 

É o próprio cineasta quem ministra as oficinas, sempre acompanhado por outro integrante do Ponto de Cultura. Paulo Monteiro Júnior, de 23 anos, é um dos cinco oficineiros que viajam com Gonzaga pelo interior. A facilidade de criar uma animação a custos tão baixos, segundo Júnior, encanta os alunos: “É como se fosse outro mundo para eles. Sempre querem produzir mais, e no fim pedem que a gente fique o dia todo ali”.

Durante os cinco dias de duração das oficinas, os alunos assistem a animações e entram em contato com diversas técnicas de representação. Ao longo do processo, fazem as sequê­n­cias de desenhos e aprendem a transformar as imagens estáticas em movimento. A primeira tarefa é passar a figura para o computador usando um scanner. Digitalizada, a ilustração vai para um editor de imagens no computador – como o Gimp – que permite corrigir imperfeições e inserir efeitos. Depois, é hora de usar o editor de vídeos. Nas oficinas, é usado o Cinelerra, um software livre multimídia para Linux. A última etapa é colocar o áudio. 

O processo encantou Igor Vitor Souza Feitosa, de 16 anos, que participou em agosto da oficina em sua cidade, Pesqueira. O jovem desenha desde os sete anos e, entre suas preferências, está o registro de paisagens. Artesanato é outro de seus talentos. Com barro natural, produz bonecos que adornam sua casa. Nas aulas do Cine Anima, criou personagens dançarinos e tocadores de violões e pandeiros, figuras que representam o Nordeste de Luiz Gonzaga. A julgar pelo seu entusiasmo, o trabalho deverá ser o primeiro de uma série. “Peguei todas as informações sobre materiais, tenho anotada a medida da mesa de luz, o lápis que se usa e os programas, porque eu pretendo continuar fazendo animação”, conta o jovem que, sem computador em casa, usa a máquina na casa da tia, sua vizinha.

Colega de Feitosa na oficina, Jean Tácio Tôrres de Lira, de 14 anos, é outro aficionado por desenhos. “Meu hobby é desenhar, por isso fiquei animado para fazer a oficina”, relata o estudante que, para a atividade, criou uma sequência com a bandeira de Pernambuco. Apesar de sua habilidade com o lápis, confessa: fazer animação é mais trabalhoso do que pensava. “O mais difícil é ter de fazer vários desenhos repetidos com algumas diferenças mínimas”, diz.
A dificuldade, porém, não deverá ser obstáculo para ele, que já planeja suas próximas animações. Baixou em seu computador o software de edição de vídeo Pinneacle e se prepara agora para montar seu estúdio: “Vou mandar um marceneiro fazer uma mesa de luz para dar continuidade a esse trabalho”.
Ao se aventurar no mundo da animação, os jovens aprendem que precisam apenas de uma mesa de luz, um scanner e um computador com editores de imagem, vídeo e áudio. Segundo Paulo Júnior, o oficineiro, na internet estão disponíveis diversos programas abertos, com recursos semelhantes e às vezes melhores do que os dos pagos. A descoberta do software livre é uma boa surpresa para os alunos, que logo aprovam a ideia de usar ferramentas gratuitas e que não exigem um computador mais potente. “Os programas da Linux são muito bons, não precisam de placas onerosas ou de grande quantidade de HD”, ressalta Júnior.

Os alunos do Cine Anima também descobrem que, além de desenho, podem utilizar em suas animações bonecos ou outras criações feitas com diferentes materiais, como massinha de modelar, na técnica conhecida como stop motion. Basta tirar fotos da figura em diferentes momentos e, depois, digitalizar as imagens.

A ideia é um prato cheio em uma terra de artesãos como o bairro Alto do Moura, em Caruaru, considerado o maior Centro de Artes Figurativas das Américas. O produtor cultural David Júnior, de 24 anos, integrante do Ponto de Cultura Alto do Moura, conta que a passagem do Cine Anima na comunidade, em junho, motivou o Ponto a criar seu próprio núcleo de animação. 

“A comunidade inteira respira arte e artesanato, e a possibilidade de poder fazer cinema com isso chamou bastante a atenção”, conta. Seis pessoas estão engajadas no núcleo, que já trabalha no primeiro projeto: uma animação para o CD do grupo regional Mazurca Pé Quente, previsto para lançamento em breve pelo Ponto.

Também de Caruaru, o artesão José Galdino da Silva Irmão, de 39 anos, é um cinéfilo – em casa, tem mais de cinco mil filmes. Sempre que possível, o artista participa de atividades e cursos sobre audiovisual. Quando soube do Cine Anima, não perdeu a oportunidade. “A gente passa a ver a animação e o desenho animado com outros olhos, vê que não é aquele bicho de sete cabeças”, reconhece. Galdino trabalha em um ateliê no centro da cidade e, a partir de seus dois principais interesses – artesanato e cinema -, já surgiu a inspiração para uma animação. A ideia é fazer um boneco de barro recitar uma história em formato de cordel.

O Cine Anima aguarda a aprovação de um pedido no Ministério da Cultura para transformar-se em Pontão de Cultura. Enquanto isso não acontece, as oficinas chegam às comunidades bancadas por meio de editais ou de convites feitos por instituições públicas. Cada oficina custa 
R$ 5 mil, além dos custos de hospedagem e transporte para os oficineiros. O sucesso tem sido tão grande que o projeto já percorreu quase todos os estados brasileiros e participou de festivais em Portugal. Este ano, além das 13 oficinas do Festival Pernambuco Nação Cultural, Gonzaga e sua equipe devem realizar mais 19.

A receita obtida pelo Cine Anima ajuda a sustentar o Ponto de Cultura Cinema de Animação, que espera a renovação do segundo edital junto ao Ministério da Cultura (MinC) e a liberação das verbas. “Conseguimos fazer do Cine Anima uma fonte financiadora, é por onde entram recursos o tempo inteiro”, diz Gonzaga. Atualmente, as oficinas cobrem 70% dos gastos do Ponto, que tem cinco pessoas remuneradas – a maioria ex-alunos – e sete voluntários. O orçamento anual do Ponto gira em torno de R$ 80 mil.
Além do Cine Anima, o Ponto de Cultura realiza cursos anuais de animação, produção de filmes e mostras. Uma de suas iniciativas mais famosas é o Cinema na Praça, que já exibiu filmes em espaços públicos para mais de 96 mil pessoas, com média de 400 espectadores por sessão.
Se a captação de recursos é um item preocupante devido à burocracia, a estrutura do Ponto, por outro lado, vai muito bem. Os profissionais dispõem de uma ilha com todos os programas necessários para criar as animações; dois monitores de 28 e 32 polegadas; três impressoras; três scanners; câmera; um tablet de desenho; três máquinas fotográficas (uma delas exclusivamente para a técnica de stop motion); dois notebooks e um HD externo. Para a exibição nas ruas há quatro telas (a maior, de seis por quatro metros), caixas, mesa de som e um aparelho de DVD. Estrutura semelhante está disponível na sede, onde ocorrem as sessões do Cine Clube. A maior parte dos equipamentos foi adquirida com o Prêmio Ponto de Mídia Livre, do MinC, em 2011, que rendeu R$ 100 mil. 



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